HM Macahé
Episódio 8 - A gênese do movimento Underground Macaense - entrevista com Fred Bastos.
Atualizado: 26 de abr. de 2021

Entrevista realizada em 08/12/2020.
Ouça o episódio:
Sejam todos bem vindos a mais um episódio do 'HMM'. E hoje teremos entrevista.
É!!! E o nosso convidado é um dos precursores da cena underground macaense e vai nos contar um pouco dos bastidores dessa história. Batizado como Carlos Frederico, é mais chamado e conhecido por todxs como Fred. Tem 49 anos de idade e desde os 2 reside em Macaé. Começou a se envolver com "música pesada" por volta de 1983, muito influenciado pelo Kiss e pela loja Toca do Disco, que funcionava na Av. Rui Barbosa (antiga rua direita e atual calçadão). Em 1985 entra na banda Agressor e no ano seguinte participa da primeira gravação do grupo, feita em demo-tape. Em 88 formou, junto com Alex Costa, o Extreme Violence, banda que organizou e realizou, no dia 28 de janeiro de 1989, no auditório do Luiz Reid, o primeiro show de rock extremo 100% independente de Macaé.
Outras bandas que Fred fez parte foram: Skullfucker, Atitude Consciente e Não Conformismo. Desde 2012 dirige sozinho o selo independente "Atitude Consciente Records", que lança e distribui vinis, fitas-cassete, CDs, livros de bandas e autores independentes do Brasil e de outras partes do mundo.
E depois deste breve currículo, eu chamo aqui o Fred. Tudo beleza meu irmão?
Fred: tranquilo, Mad (apelido de infância do Magno)? Muito obrigado pelo convite. Satisfação bacana estar podendo colaborar de alguma forma com seu trabalho. Parabéns!!
Magno: satisfação é minha de poder trocar essa idéia com você. De certa maneira você, indiretamente, vamos dizer, foi um dos responsáveis de eu estar na música hoje. Porque o underground foi o meu início, só que eu comecei algum tempo depois. Mas, enfim, a gente vai falar melhor sobre isso no decorrer da nossa conversa. Eu queria fazer a primeira pergunta à você: como foi a gênese do Underground Macaense e quem era a galera envolvida ali?
Fred: na época que eu comecei a curtir som, foi meio que sozinho. Não tinha ninguém na minha rua, tal… muito foi porque eu estudava no Luiz Reid, e eu sempre morei na Boa Vista, perto da Cooperativa. A galera de Macaé sabe onde é Boa Vista, né? O meu pai trabalhava ali no Palácio dos Móveis, que era em frente ao Zé Mengão, perto da Câmara. Eu andava do Luiz Reid até minha casa pela Rui Barbosa. No meio do caminho tinha uma loja onde hoje fica o "Rei do Mate". Era a loja "Toca do Disco". Eu era molequinho, passava por ali, via aqueles discos na parede, umas capas muito doidas… mas eu não tinha, aqui na minha rua, ninguém que me mostrasse "isso aqui é assim ou assado". Como o Kiss veio ao Brasil em 1983 tocar no Maracanã, ali foi um divisor de águas positivo, ao meu ver, porque muita gente começou a curtir. Eu fui um daqueles que começou a comprar revista… comprava a revista "Som Três", "Roll", essas paradas todas que tinha em banca. Uns caras cabeludos, umas bandas muito doidas… a gente comprava. Aí eu fui, curtindo meus discos sozinho em casa. A molecada da rua embarcando naquela. Então tudo era festa, né!

Revistas da época
Como eu falei: eu estudava no Luiz Reid, né… eu tinha uma colega de sala, a Paula. A Paula me via com umas camisas, eu pintava, pintava mal mas pintava. Ela falou: meu irmão curte esse som. Aí ela me levou… com esse negócio de trabalho de colégio, ela me levou pra casa dela. O irmão dela era o Júnior - Aderson. Ele me mostrou umas coisas. Ele devia ter na época uns 300 discos. É porque ele fazia faculdade no Rio, então todo final de semana, quando ele voltava à Macaé, ele trazia algumas novidades. A gente começou aquela amizade. Começava a comprar umas fitinhas baratas e dava pra ele gravar. Foi daí que comecei, já em 1983, a me aproximar mais de coisas underground. Daí que descobri o que que tinha - que não era só essas coisas maiores tipo o Kiss, Led Zeppelin, não era isso - tinha muita coisa do "submundo". Foi o que me interessou mais. Desde o início eu gostava mais dos sons rápidos, as paradas mais cruas. E você me perguntou sobre a turma… eu era uma moleque, tinha uns 12 anos. Já existia uma galera mais velha. Além de Júnior, tinha Paulo Renato, tinha Flávio (punk), o beco, Evandro (galo), Hércules (irmão do Gamboa). Essa galera já curtia som e eu mesmo muito novo, eu era sempre… eu sou o gurizinho e os caras tudo mais velho. Mas eu sempre, desde o início, eu tive sorte. Macaé, pra esse estilo de música pesada, Macaé foi um ponto que não foi muito comum, aqui no Brasil, posso dizer assim. Por que? Porque se tratava de uma cidade de 30, 40 mil habitantes naquela época. Não tinha nada. Duas, três lojas de disco. Com esse lance de ter essa turma, a gente começava a descobrir muita coisa. Paulo Renato, do Agressor, já se correspondia com uma banda de Belém-PA chamada "Stress", que tocava um Heavy-metal absurdo em termos de velocidade e agressividade pra aquela época. Ele já trocava carta com os caras.
Macaé foi muito à frente do tempo. Eu tenho amigos de cidades do interior que são muito maiores que Macaé, que falam isso até hoje: pô, Macaé foi uma parada muito a frente do tempo. O pessoal de Campos, eles falam até hoje: Macaé tem uma coisa que, mesmo Campos sendo muito maior, nunca conseguiu chegar perto. E foi assim, foi desenrolando aquela turma, as amizades foram crescendo e tal.
Magno: vamos dizer assim, só para tirar minha dúvida: então a primeira banda de rock extremo de Macaé pode-se dizer que foi o Agressor?
Fred: Não!! Foi o Juízo Final. Juízo Final foi meio que o embrião do Agressor. Por que? Eu cheguei a ver o ensaio do Juízo Final. Eles ensaiavam ali na rua paralela ao Cine-clube. Era casa de Flávio, de seu Manoel, pai de Flávio. Aquela casa mudou bastante, mas está lá ainda… eu cheguei a ver o Juízo Final com Valzinho, no vocal; Fernando "orelha", na guitarra; Paulo, na bateria e Flávio, no baixo. Depois eu acho que vi o Evandro "Galo", na guitarra também. O Juízo Final não gravou nada, oficialmente. Acho que eles fizeram 2 músicas. Tinha uma música chamada "Sexta-feira 13". Tocava músicas do Black Sabbath. Isso eu vi de perto. E quando o Juízo Final acabou, Paulo e Beco, que já estava tocando guitarra, começaram a ensaiar junto. Foi aí que deu origem ao Agressor…
Magno: maneiro, cara. O Agressor veio num contexto mais maduro…
Fred: enquanto o Juízo Final era aquele Heavy-metal, Hard Rock, anos 70, o Agressor já veio, naquela primeira metade dos anos 80, desde o início nunca foi uma banda de Heavy-metal tradicional, eles já começaram com um som mais extremo, pesado.

Capa da primeira demo-tape da banda macaense Agressor, gravada em 1986 no salão do clube Flamenguinho, no bairro Miramar.
"No final da década de 70, nossa cidade ainda é pequena e a explosão demográfica que a indústria do petróleo traria ainda estava por vir. Com exceção das bandas de boate e alguns veteranos, não existe rock na cidade e nem mesmo uma política cultural que fomentasse o gosto pela música. É nesse contexto que alguns amigos começam a descobrir o som mais pesado, onde era tudo muito difícil e talvez por isso tenha sido mais prazeroso… talvez aqui tenha começado a nossa cena local, quando outros amigos se juntaram e a nossa turma logo era mais de uma dezena. Reunimo-nos para trocar idéias, ouvir discos e procurar novos sons…"
Paulo Tinoco - 2010
Fred: … não existia internet, não existia nada. Nós tínhamos, na cidade, a Toca do Disco, Macaé Discos, tinha uma loja na galeria Carapebus que eu não lembro o nome. Eu lembro dessas, cara. E era isso, esperar o que chegasse. Eu ia na curiosidade, pedia pro pessoal botar o disco pra ter uma ideia do que poderia levar pra casa. Júnior, ele fazia faculdade já, estudava de segunda a sexta no Rio. Como ele praticamente morava no Rio e passava os finais de semana aqui, ele tinha as amizades dele lá que curtiam som também. Ele pegava os discos emprestados com os caras, trazia pra gravar pra ele e quem quisesse, tivesse um fitinha… pedia: ah, Júnior, grava isso pra mim aí. Foi aí que a gente foi descobrindo mais coisas, assim, "obscuras". Então, pode-se dizer que se não fosse Júnior, o caminho seria muito mais longo. Pela faculdade dele, ele ajudou todo mundo aqui… ele nunca teve essa frescura de segurar material. Até hoje tem gente assim, mas não é o caso dele, né!
Daí veio o advento do correio. Hoje, vocês… a galera procura… eu falo "vocês" mas eu também uso, quando quero descobrir alguma coisa. Eu não conheço nada assim, Spotfy… o máximo meu é Youtube. Por exemplo: sai o disco, mas eu quero sacar o disco, porque disco nunca foi barato. Hoje então…!! Quando comprar disco no escuro, eu procuro no Youtube. Dou uma sacada antes de comprar o disco pra mim. Naquela época, o que era nosso Youtube, nosso Spotfy? Era correio, fita K7. Por volta de 1985, eu já estava no Agressor, trocava fita com gente do mundo inteiro. Tem bandas de Macaé, Agressor, Skullfucker, daquela época, que saíram resenha lá no Japão. Aí vou puxar pro meu lado, de som assim, do hardcore, do metal, foi a vontade de descobrir bandas. Isso nunca cessou em mim, entendeu? Se eu não conhecia a banda, chegava um cara da França e gravava uma fita de 90 minutos pra mim, com 10 demo-tapes de 10 bandas diferentes que ninguém nunca escutou falar. E hoje muitas delas são famosas.

Contra-capa da revista japonesa 'Satanic Death', onde foi feita a resenha da banda macaense Skullfucker.
(Julho de 1988)

Resenha da banda Skullfucker na revista mencionada acima.
Magno: demais, muito interessante!! Bom, o que é o underground, resumindo aí? Vamos lá…
Fred: é a visão de cada um. A minha é algo que você faz sem ligar pra mainstream. Sem ligar pro que você pode colher ali amanhã. "Pô, vou me tornar grande!" "Vou fazer isso, vou fazer aquilo". É uma coisa natural. Tipo assim: vamos pegar o maior exemplo de banda bem sucedida brasileira: Sepultura. Quando comecei a ouvir Sepultura, era uns moleques de 13 anos, não sabiam bem tocar. Radical pra car***, com esse negócio de cachaça, de beber, de ficar caindo. Eles sempre tiveram talento. Mas eu tenho certeza que lá atrás, em 1984, quando eles começaram… 84, 85 acho que saiu o primeiro disco, um EPzinho, por mais talento que eles soubessem que já tinham, eles não poderiam imaginar o que a banda se transformou de tão grande, né! Então é uma coisa natural. Você começa do underground ali… é a história que vai desenrolar aonde você vai chegar. O underground é isso: É você fazer as coisas de forma independente, sem ligar pra mainstream, sem ligar pra ganhos. Mais ou menos isso.

Fred sempre atuou mais nos vocais das bandas que participou.
(Ensaio com a Extreme Violence no Miramar - anos 80)
Magno: na época que eu comecei também, aprendi essas lições… são coisas que a gente carrega pra vida toda. Isso que é o mais interessante.
Fred: você não carrega nem só pra música, carrega pra sua vida. Igual você falou, né?! Pro dia-a-dia.
Magno: então, resumidamente você já falou algumas bandas. As primeiras bandas desse gênero em Macaé, você já citou algumas… você disse sobre o Juízo Final, é isso? O Agressor… e quais as outras?
Fred: como te falei, o Juízo Final tocava, acabou. Aí o Paulo, que tocava bateria junto com Beco, que ainda não tinha tocado, mas já estava tocando guitarra e não tinha tocado em banda... eles dois começaram a ensaiar, lá na casa de Paulo, que era na Rua Luiz Belegard, 38. Lembro direitinho. Uma casa importante pra história dessa galera. Eu me sinto honrado de ter vivido isso lá. Então, quando você fala da cronologia das bandas, foi: Juízo Final, que deu origem ao Agressor; aí ficou nisso. Aí eu entrei no Agressor. Minha entrada no Agressor foi muito engraçada. Essas duas foram as primeiras. Depois da minha história com o Agressor é que começou a vir outras bandas. As duas seguintes eu fiz parte.

Integrantes do Agressor em frente à casa (que não existe mais) em que ensaiavam, na R. Luiz Belegard 38, ao lado do posto de gasolina.
Esq./Dir.: Fred, Evandro (galo), Jedae, Beco, Paulo e Alfredo (amigo da banda).
(1986)
Magno: faz uma listagem resumida das bandas que vieram logo a seguir, que você participou ou que você não participou. Pelo menos assim, nos anos 80.
Fred: nos anos 80, eu posso afirmar mesmo aí que foi: Juízo Final, Agressor, Skullfucker e Extreme Violence.
Magno: então, se não me engano, não sei se foi numa entrevista que você fez no programa "Murro", da rádio Gentelesa, ou se foi numa ligação que tinha feito pra você… você falou de momentos marcantes que marcaram muito você numa época aqui, que foi um show do Circo Voador itinerante em 1984, na Washington Luiz (praça). Procede?
Fred: foi. Eu não lembro agora se foi outubro ou novembro. O que que acontecia? O Circo Voador, na época, era realmente um circo, de lona e itinerante. E ele viajava o interior do Estado levando show, levando cultura, arte, essas coisas. A gente jogava bola aqui na Washington Luiz antes de ter quadra. Eu sempre fui dessa área. Uma vez eu estava jogando bola ali e tinha um palco montando ali… o meu irmão foi lá ver o que era aquilo. Chegou lá, tinha um "maluco" lendo uma revista. Não sei se era uma revista "Som Três". Um cara cabeludo. Ele chegou: pô,vai ter show aqui? O cara: vai ter show logo mais aí, vem aí.. então o que que acontece? Naquela época, se você falasse: vai ter show, hoje a noite, de Gerival Lacerda; vai ter show, hoje a noite, de Miles Davis; vai ter show… ia a cidade inteira, independente do estilo. Porque não tinha cultura, cara. Não tinha opção. E naquela noite, a gente saiu. Eu morava ali na Ferreira Viana, paralela a antiga Cerj… atravessamos, fui eu e meu irmão. Cara, aquilo tava lotado. Era até uma noite chuvosa. A gente estava ali e a gente já curtia som. Já tinha aquela turminha: eu, Aderson, Deco, Paulo, Flávio, Hércules… aquela turma toda ali. Muitos, eu acredito que foram. Eu fui com Beco, eu lembro. Meu irmão também. Quando a gente chegou lá, uma das bandas que tocou foi o Azul Limão, banda de Heavy-metal do Rio.
Magno: eles relançaram pelo selo da Dies Irae, né. Um disco.
Fred: eles já tem disco desde os anos 80. A Heavy discos já lança disco deles. Aí, aquilo ali foi f***. Eu me amarrei, mas o show que mais me marcou, inesquecível naquela noite, foi João Penca e seus Miquinhos Amestrados. Você não tem idéia daquilo ali… aquilo ali que me desgraçou. (Risos)
Magno: teve um outro show muito marcante, também, que marcou história na cidade que foi quando você já tocava no Extreme Violence. Foi um show no auditório do Luiz Reid em 1989. Fala bem rápido como foi a organização do evento.
Fred: eu e Alex, já tínhamos amizade com o pessoal de Campos, que tinha banda. Eles são nossos amigos até hoje. Eu não lembro, preciso conversar com Alex, pra saber se ele tem a resposta de como que nós conseguimos o Luiz Reid. Eu acho que o baixista do Extreme Violence, era o Irlande, a mãe dele trabalhava lá. Posso estar enganado, nas foi ele que conseguiu esse caminho pra gente. O que a gente fez? Vamos chamar uma banda de Campos. Aí tinha uma banda lá, o Discharge of Hate (DOH). Chamamos os caras, levamos as caixas de som nas costas. Bateira cada um carregando uma peça. O Luiz Reid só tinha aquele prédio velho na Teixeira de Gouveia, não existia aquele lá de trás. Foi feito no auditório. Imagina duas bandas de hardcore tocando ali, em 1989. Esse show foi filmado na íntegra, com VHS, e ele vai ser lançado ano que vem. (2021)

Cartaz do simbólico show realizado no auditório do Colégio Estadual Luiz Reid - 28/01/1989.
Magno: você também dirige o selo "Atitude Consciente Records". Eu queria te perguntar: o que é um selo independente? Se eu não me engano, existem selos que não são independentes. Queria que você explicasse como é que funciona…
Fred: o que é um selo independente? Ele só depende dele mesmo pra existir. É você criar uma logotipo… eu, por exemplo, inventei o nome do selo, um amigo fez o logotipo pra mim. Eu não tenho CNPJ nada disso, é tudo no meu nome. A gente tinha o "Não Conformismo" na época, se você for procurar alguém pra lançar você não acha. O que eu fiz? Eu vou lançar, cara. Gravou o disco, o primeiro depois da volta (da banda) - que a gente já tinha gravação dos anos 90 - eu fui e lancei isso aí, botei o logotipo do selo lá, e começou a "Atitude Consciente Recs". O selo independente, resumidamente, é o que? Você gasta do seu bolso. O máximo que você consegue é, de um lançamento pra outro, angariar capital pra você bancar parte do lançamento seguinte sem contar com apoio de nada, de revista, de marca, de nada. É você fazer o seu de maneira que ninguém interfira no que você vai gravar, que tipo de som, de letra, de estilo musical, se é assim ou assado. (Selo) independente é isso: é fazer o que você quer, não se importando com resposta alheia.

Logomarca do selo
Magno: sim, sim. O seu selo trabalha também com Vinis, fitas K7... Por que trabalhar com esse tipo de material?
Fred: bem, é o que eu gosto… se você for pegar os materiais que eu tenho em casa, 90% é vinil, 8% FITA cassete e 2% CD. Não é aquele negócio: ah, o cara parou no tempo, blablabla. Não é a mesma coisa. É o que eu curto, eu gosto de Vinil… quando veio aquela parada do surgimento do CD, vai acabar com o vinil, fechou fábrica, fechou loja. Os discos ficaram mais difíceis de serem adquiridos. Mas quem gosta, nunca parou. Então, quando eu tive a oportunidade de fazer o selo, nada mais lógico de fazer com o tipo de mídia que eu curto. Ficou mais fácil. Vamos dizer assim, você consegue fazer uma edição mais limitada, uma capa mais bacana. Eu curto isso, porque quase 100% das pessoas que eu tenho amizade também curtem. Se você for falar de CD, é difícil. Além de material musical, eu também dou força pra livros e revistas.
Magno: isso. Você já falou uma vez que sempre gostou muito de resenhar, de escrever. Você tem livros, Fred?
Fred: meus, não. Mas eu, com o selo, já ajudei. Um cara de São Paulo, amigo meu, o Marcelo Batista. Hoje ele é dono da 'Extreme Noise Discos', na galeria Nova Barão, em São Paulo. Nas antigas, ele fazia um Zine chamado "United Forces". E esse fanzine eu era correspondente dele, em 87, 88. A gente tinha, naquela época, o Extreme Violence. Mandei fita pra ele e ele resenhou no fanzine. O Zine durou de 1986 a 1991. Daí ele formou o ROT, aquela lendária banda grindcore brasileira, a primeira banda grind brasileira a fazer excursão lá fora e tal. E nos anos 2000, ele teve a ideia de compilar aqueles números que ele lançou dos fanzines dele lá atrás, adicionar mais material e lançar um livro. Meu selo entrou como um daqueles que ajudou no lançamento desse livro.
Magno: qual o nome do livro, mesmo?
Fred: United Forces - Revirando Arquivos 1986 a 1991. Um Spoiler aqui: esse livro, em 2021, está pra ser lançado nos EUA.

À esquerda: capa do livro 'United Forces - Revirando Arquivos 1986 a 1991', de Marcelo R. Batista.
À direita: Fred e Marcelo, autor do livro, na sua loja 'Extreme Noise Discos', em São Paulo.
Magno: bacana, vou querer o meu, então. Outra coisa: os contatos, as viagens que você articula com vários países. Como é que funciona esse lance dos contatos, das viagens?
Fred: depois que eu formei o selo, uns anos depois, por volta de 2016, eu comecei a pegar materiais de outros selos e fazer uma garimpagem de discos do estilo pra fazer uma distribuidora, junto com o selo. Então eu lançava minhas coisas pelo selo, e distribuía também. Então nessa, eu e minha esposa, a gente teve a oportunidade de viajar fora algumas vezes. Eu entrava em contato com os caras… eu troquei muito disco do "Não Conformismo" com os caras na Europa. Então, quando eu tive a oportunidade de ir lá pela primeira vez, fiz contato com os caras. Já tinha contato em Facebook, essas coisas. Falei: tô indo pra aí! Aí eles: quando você vier, trás não sei quantos discos… aí eu levava os discos, fazia a troca. Trazia outras coisas pra cá. Ficava o dia inteiro perambulando em loja de disco lá. E trazia pra cá. Montei site, montei uma pá de coisa. Trouxe muita coisa "obscura" pro Brasil. Um selo francês pediu pra eu distribuir os materiais deles aqui. Por volta de 2019, ano passado, eu já saquei que a economia do Brasil ia ficar uma bosta, aí eu parei… vou parar com a distro (distribuidora) enquanto eu tô no azul. Porque eu não vou querer ficar enxugando gelo... Fiquei no azul e fiquei só com o selo. Hoje eu tenho só o selo.
Magno: você tem tocado em alguma banda?
Fred: depois que o Não Conformismo parou eu, sinceramente… eu não tenho muito ânimo pra banda, pra ensaiar, essas coisas. Eu vou, quando tava tendo showzinho, na Costa do Sol, no Bar do Jhonatan ali, sempre ia. Na Rinha… eu sempre procurei dar força, porque eu sei como é que é. Por que na época eu fazia show, eu chamava de casa em casa. Hoje o cara faz um show, cria um evento no Facebook, 300 falam que vão, chega na hora vai 3. Sou meio reticente com isso mas eu tento fazer minha parte. Com banda eu não toco mais não.
Magno: mudou muita coisa. Eu peguei uma parte dessa época que o pessoal fazia cola com trigo e saía colando cartaz pelos postes. A gente se divertia pra caramba…
Fred: pra você ter uma idéia, a gente achava na nossa cabeça, nos anos 80, que o lugar onde todo mundo passava era a galeria Carapebus. A gente colava cartaz na saída da Teixeira de Gouveia e da Rui Barbosa, da galeria. A gente achava que ali que os outros iam ver. Mas nunca foi. Foi mais a nossa turma mesmo, que a gente chamava pra ir. Esse primeiro show de 89, no Luiz Reid, que você citou… é porque o auditório era grande. Se aquilo fosse um lugar menor igual hoje em dia, tava muito cheio.

Extreme Violence tocando num festival na praia dos Cavaleiros.
(1990)
Magno: nessa época, a galera saía assim: fazia uma varredura pela Rui Barbosa e voltava varrendo a Teixeira de Gouveia colando os cartazes. E patrocínio do antigo MacBob's, atual VitaBurguer. Tem que agradecer essa galera e até… veio essa idéia aqui agora, um dia vou chegar lá pra entrevistar aquela galera pra contar história lá.
Fred: Você perguntou sobre eventos em Macaé. Acho que foi em 91 ou 92… ali no Ana Benedita (escola), nós fizemos um show ali, aquela banda de Hardcore de Itaboraí, Tubarões Voadores, tinha acabado de lançar um disco. Nós chamamos eles pra tocar aqui junto com uma banda que a gente tocou lá em Alcântara, chamada Perseguidor… quando você lembrou do MacBob's, eu lembrei. Nessa noite, quem patrocinou foi a Fábrica Lynce, e Felipe era vocal do Extreme Violence e eu estava na bateria. Naquele show… você é bem capaz de saber quem é o cara, de lembrar dele. Lúcio Flávio que, na época, foi tri ou tetra campeão mundial de Skate Freestyle. Ele veio nesse show, e ficava dando demonstração de skate enquanto as bandas tocavam… se você procurar na internet aí, é Lúcio Flávio, veterano no skate freestyle nacional...
Magno: que isso, muito legal… o ano de 95 foi o mais marcante pra mim. Foi quando eu comecei a tocar, através do Evandro Castro, ali na Imbetiba. Foi quando eu comecei a andar de skate também. Então muita coisa aconteceu nesse ano daí pra frente, na minha vida…
Fred: você é da Imbetiba, não é?
Magno: exatamente. Cresci até os 17 anos ali. Meu pai faleceu quando completei 17 anos. Fui para os Cajueiros e daí a vida continuou... Queria que você desse as considerações finais. Fiquei muito feliz de ter te chamado pra contar várias histórias, que antecederam minha época e que influenciaram minha vinda depois…
Fred: em primeiro lugar eu que te agradeço, muito mesmo. Eu fiquei muito feliz quando você me ligou pelo zap perguntando se eu topava. Eu estava junto da minha esposa. Ela ficou 'felizassa'… não foi o primeiro convite que eu recebo assim. Que eu tento ajudar o máximo. Já ajudei o Marlon, Santuchi… eu fico muito grato pela consideração, pelo convite. Quero ver essa parada depois. Fico grato pelo reconhecimento da galera. Assim como você tá falando isso e eu fico feliz de ouvir, outros também como Marlon, Felipe, essa galera toda já falou… vocês eram tudo moleque. Marlon, me lembro, molequinho. O primeiro show da vida dele era um show que eu estava tocando. Aquilo ali que me "descacetou"! Então, eu sou muito feliz, muito grato. E sou agradecido demais a vocês. Antes de tudo, pela amizade. A gente no dia-a-dia é tudo corrido. Eu passei muitos anos da minha vida sempre trabalhando offshore. Viajei muito, ficava muito tempo fora. Mas estamos aí, te agradeço o convite. Parabéns pelo trabalho. Fico muito feliz de, hoje, ver uma pessoa fazendo uma coisa desse tipo, espero que dê sequência e em que eu puder ser útil é só contar comigo.
Magno: com certeza. Como eu te expliquei anteriormente, a idéia do projeto nosso é zelar um pouco pela memória. Contribuir, especificamente, com a memória da música na cidade, né. É claro que a gente não deixaria de falar sobre esse movimento que se deu início aqui em Macaé, que costumo falar, que é o movimento underground… fez parte dessa história. Assim como outras histórias que a gente vai ver também, não só ligado à música extrema, ao rock extremo, ligações com outras vertentes… pô, tem história pra caramba aí pela frente.
Fred: Macaé tem muita história. Te falei do The Rell's.
Magno: você falou comigo. Inclusive, um dos membros do nosso grupo, ele foi membro do The Rell's. E eu comentei sobre isso que você falou, de quando você jogava bola na Washington Luiz, e a galera ensaiava no Ypiranga. Ele que estava nessa época, ele era o cantor. Que é o Francarlos… Então é isso, Fred. Agradecemos sua participação e a gente vai mantendo contato. Um abraço!!
Depois de nos ter concedido essa entrevista, Fred nos revela uma curiosidade sobre como as bandas da época se tornavam conhecidas por todo o mundo:
Fred: a gente fazia catálogo com as gravações que a gente tinha em fita K7 e distribuía através de cartas. E através disso, um cara lá do Japão, da França, Estados Unidos, que também fazia a mesma coisa, trocava fita com a gente. E assim essas fitas dessas bandas de Macaé, Extreme Violence, Agressor e Skullfucker, isso já nos anos 80 parou no Japão, parou em tudo quanto é lugar no mundo, através do correio, do sistema de troca de fitas. Era isso que a gente fazia. Só tinha aquele correio da Teixeira de Gouveia. A gente ficava ali com nossos pacotes. Eram poucas pessoas, né. Era eu e mais uns 3 só, que fazia isso. Foi super compensador. Conheci banda que hoje é grande e que na época não tinha lançado nem o primeiro disco. Então foi isso, tudo na base do correio e se virando pra pagar postagem.
Pra burlar e evitar de gastar dinheiro, porque na época a gente não trabalhava, era tudo moleque, a gente passava sabonete no selo do correio e pedia pro cara quando recebesse, mandasse a parte dele, a fita dele, botava o nosso selo dentro da carta. Quando chegava aqui, a gente molhava, o sabonete saía e saía o carimbo do correio… e a gente usava o selo de novo, pra economizar. É uma curiosidade, de como a gente fazia esse material correr através do mundo.
Fundo musical:
Álbum "Basta", da banda macaense Não Conformismo, lançado em 2012 pela AC Records, no formato CD e LP 12".
"Não desista", música da banda "Stress", de Belém-PA. Faz parte do álbum "Flor Atômica", lançado em 1985. Considerada a banda pioneira do Heavy-metal nacional.
Primeira gravação em demo-tape da banda macaense Agressor, lançada em 1986, cujo título se chama "Destruição Metálica". Esta gravação foi realizada no salão do clube do Flamenguinho, no Miramar, e é considerada o primeiro registro oficial de uma banda autoral de rock pesado em Macaé.
Remasterização da música "Beneath the Remains", do álbum homônimo da banda Sepultura, lançado em 1989.
"Lágrimas de Crocodilo", de João Penca e seus Miquinhos Amestrados.
"Living a Neurotic Life", música que inicia a demo-tape da banda Extreme Violence, lançada no ano de 1989, mesmo ano quando foi realizado o primeiro show independente de rock extremo em Macaé, organizado pela banda, no auditório do Luiz Reid.
"Still", faixa que inicia o disco "Dispossessed", lançado em 2018 pela banda francesa de pós-punk, Litovsk.
"Our Due Descent", álbum da banda canadense de Crust/Grind "Mass Grave", lançado em 2018. Para que não haja confusão, existe uma outra banda da Suécia com um nome parecido: 'Massgrav' que, por sinal, já tocou em 2013 aqui em Macaé, num evento organizado pelo selo AC Records, do Fred.
"Blackmagic", da banda californiana TSOL (True Sounds Of Liberty). Essa música é a primeira faixa do disco "Change Today?", lançado em 1984.
Considerações finais:
O underground é isso: é não esperar acontecer o que, muitas das vezes, não vai acontecer… é andar com as próprias pernas. É concretizar idéias sem se preocupar com modismos e barreiras impostas por padrões mercadológicos. Portanto, underground é contracultura. É a rebeldia que anda na contramão das tendências do momento. São os trabalhos realizados por Fred e muitos outros que mantém vivas e pulsantes, práticas que não permitiram rótulos de validade. Como práticas costumeiras, não necessitam que se faça um resgate. Precisam sim, se tornarem conhecidas do público leigo que ainda não tiveram a oportunidade de saber como funciona esse chamado "submundo" do underground. E desta forma, trabalhando pré-conceitos e transformando-os em conceitos, nosso conhecimento também se transformará em reconhecimento do trabalho feito por eles. Afinal, essa chama que os acompanha desde os tempos de juventude, dificilmente será apagada.
São esses "operários do Rock" que na Macaé dos anos 80, assentaram as bases para que muitas outras bandas surgissem. E são ainda eles que atravessaram as décadas e o milênio. E continuam com seus "corres", indo aos correios trocar correspondências e comercializar CDs, Vinis, K7's, VHS, fanzines, camisas e por aí vai. Viajam pelo Brasil e pelo mundo, sempre atentos e atualizados com a cultura do subterrâneo.
Então é isso, meus amigos. Hoje o som foi pesado mas o nosso papo "correu leve", foi ou não foi? Espero que tenham gostado dessa entrevista descontraída e também aprendido um pouco mais sobre este movimento artístico que faz parte de nossa história e leva música a muitos jovens, levando também mensagens de conscientização nas letras de suas músicas, sempre em busca de um mundo mais justo.
Nos encontramos em breve em mais um episódio de "Histórias da Música em Macahé". Um grande abraço!
FIM.