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  • Foto do escritorHM Macahé

Episódio 54. Maestro Duchesne em favor da Casa de Caridade.




OUÇA O EPISÓDIO:




“Fica residindo em Macahé o festejado maestro cubano Francisco Duchesne, que se propõe a lecionar piano, canto, flauta e outros instrumentos, conforme se deprehende de um anúncio que hoje publicamos. Além de artista de merecimento, o illustre filho da pérola das antilhas é um cavalheiro que se distingue por suas excellentes e apreciaveis qualidades. É justo, pois, que a sociedade macaense saiba corresponder a espectativa que anima-o”. (Jornal O Lynce, ano 3 - nº 140, de 07/04/1898)


Em janeiro de 1898, chega a Macaé o renomado maestro das Antilhas, Francisco Lucas Duchesne, o maestro Duchesne (pronuncia-se "Ducheine"). Algumas fontes afirmam que ele era cubano, mas também encontramos a informação de que pode ter sido ele natural de Fajardo, linda cidade costeira que fica a leste de Porto Rico, conhecida como a cidade do sol nascente. Nasceu em 18 de outubro de ?? e chega ao Brasil em 1894, integrando a ‘Grande Companhia espanhola de Zarzuela Seria e Comica’, que fez sua estréia no Teatro Lucinda, no Rio de Janeiro, no dia 19 de julho. Nesta e em outras Companhias, Duchesne teve a oportunidade de viajar pelo Brasil, exercendo a função de regente de coros, mas atuou também como regente de Orquestra.

Algumas fontes afirmam que a chegada do maestro Duchesne ao Brasil foi em 1896, o que contradiz com esta publicação de 1894, no Gazeta de Notícias, com a estréia da Grande Companhia de Zarzuela Seria e Cômica.

(Fonte: Gazeta de Notícias, de 17 de julho de 1894)

Ao viajar pelas regiões brasileiras, fez morada provisória em algumas cidades. Na região sudeste, residiu em cidades como Cataguases-MG, Vitória-ES, Miracema, Santo Antônio de Pádua, Trajano de Moraes e São Fidélis, nesta última residindo por mais tempo, onde assumiu o posto de maestro e professor de música da Sociedade Musical Euterpe Comercial Fidelense. Extinguindo-se esta Sociedade, fundou-se, em 1916, a “Associação Musical 22 de Outubro”, por iniciativa do jovem Antônio Coelho e músicos da extinta Banda. O nome "22 de Outubro" foi uma sugestão do próprio Duchesne para homenagear seu ex-aluno Pattápio Silva, que nasceu no dia 22 de outubro de 1880 na cidade de Itaocara (quando esta ainda era distrito de São Fidélis), vindo a morrer precocemente aos 26 anos de idade em Florianópolis-SC. Sobre o mulato Pattápio Silva, é válido fazermos breves comentários. Filho do português barbeiro e músico Bruno José da Silva e de Amélia Medina da Silva, descendente de escravos alforriados, Pattapio, em sua adolescência, residiu em Cataguases, onde conheceu o maestro Duchesne e se dedicou aos estudos da Flauta Transversal. Se tornou bastante conhecido por ter sido o flautista brasileiro a participar das primeiras gravações fonográficas no Brasil pela Casa Edison, no início do séc. XX.


O itaocarense Patappio Silva faz parte de uma geração que está no entremeio de duas outras estrelas (macaenses) da música, também flautistas: Viriato F. da Silva e Benedicto Lacerda. Viriato morreu sem presenciar a chegada do fonograma, cabendo a primazia das primeiras gravações ao Patappio. Por conseguinte, sua morte precoce não lhe fez alcançar a era do Rádio, o que coube ao mestre Benedicto Lacerda tal primazia.


Além das cidades mencionadas, foi também em Macaé que o maestro Duchesne fez morada, chegando à Princesinha do Atlântico no dia 5 de janeiro de 1898, numa quarta-feira, junto à “Companhia Dramática Ismênia”, pertencente à atriz e empresária Ismênia dos Santos. Duchesne é o regente oficial do corpo de coros da “Grande Companhia de Operetas, Revistas, Dramas e Mágicas do Teatro Variedades”, da capital federal. Em passagem pela nossa cidade, a Cia. se apresentou no Teatro Santa Isabel por alguns meses. Nesta Companhia também fez parte o ator, dramaturgo e jornalista Joaquim d'Athayde, do qual já falamos em episódio sobre Ernesto Olive.


Alguns eventos merecem destaque em momentos distintos e que contaram com a presença marcante de Duchesne. Num primeiro caso, temos o Concerto realizado nos dias 22 e 23 de abril de 1899, no Teatro Santa Isabel, em benefício da Casa de Caridade, esta pertencente ao Hospital São João Batista. A direção e programação do Concerto ficaram a cargo de Duchesne e contou com a participação de outros músicos convidados, a destacar: os maestros Carlos Nelson de Vasconcellos, Joaquim Luiz de Souza Salema e Theophilo Giraldo Mathias; as pianistas Marcionila Bessa ("Zizinha" Bessa), Conceição Bessa e Luiza Valle, ambas de Campos dos Goytacazes; as cantoras Ismênia Soares, Leocádia Soares e Anita Soares, dentre outros. (O Lynce, ano 4 - n°199, de 26/04/1899). Este e outros eventos realizados em prol da Casa de Caridade tinham o objetivo de arrecadar fundos para a sua manutenção, devido às constantes dificuldades financeiras que enfrentava. Eventos artísticos com viés caritativo eram muito comuns nessa época, encarados pela sociedade como uma das mais sublimes virtudes cristãs.


Fato curioso ocorrido em finais de janeiro de 1905, na cidade Nova Friburgo - em razão da festa promovida em homenagem ao parlamentar Dr. Brício Filho - foi um conflito musical entre a Banda Penna de Ouro (regida pelo maestro Duchesne por muitos anos) e a Euterpe Friburguense, regida por Ozório Junior. A Penna de Ouro, depois de uma cansativa viagem a cavalo e trem de São Francisco de Paula até Friburgo, tocou durante toda a tarde e noite de sábado (28 de janeiro) no coreto da praça XV de Novembro, onde ficava o Friburgo Club. "Ao amanhecer do domingo, o coreto em que tocava a Euterpe achava-se encimado por uma bandeira com uma lança apontada para o coreto da Penna de Ouro, fronteiro ao Friburgo Club. Era o sinal do desafio!


Estréia da Companhia da atriz e empresária Ismênia dos Santos em Macaé, da qual fazia parte como regente de coro o maestro Duchesne.

(Fonte: O Lynce, ano III, ed. 128, de 06 de jeneiro de 1898)


Neste desafio, ganha quem tocar por mais tempo. O repertório deve constar de temas de óperas e as peças musicais não podem ser repetidas. E também os intervalos entre os toques das duas bandas não devem ultrapassar os 10 minutos. O boato se espalhou rapidamente, despertando o interesse de toda a população. Era assunto obrigatório e já se organizavam partidos de um e de outro lado. Muitos achavam que a Penna de Ouro sairia perdedora. Afinal os músicos já estavam bastante fatigados da viagem e do concerto de sábado. Porém, o desafio durou mais tempo do que o esperado. Às duas horas da manhã de segunda-feira, quando se recolhiam os convidados, lá estavam as duas bandas se enfrentando. Foi uma luta terrível! A Euterpe atacava Verdi; a Penna de Ouro respondia com Puccini. Meyerbeer enfrentava Carlos Gomes. E assim, neste incruento combate, engalfinharam-se as duas filarmônicas durante 16 horas sem parar. Venceu a Penna de Ouro! O coronel João Moraes Martins, chefe, presidente e também músico da banda, e o maestro Duchesne, foram muito cumprimentados pela vitória que, apesar da fadiga de uma longa caminhada e de toda uma noite de baile, conseguiu colher a palma da vitória, executando o que há de mais difícil e clássico no repertório musical.


Esse duelo não terminou por ali. Depois de receber críticas na imprensa pelo maestro Ozório Junior, Duchesne decide desafiá-lo, propondo um encontro entre os dois, no Rio de Janeiro, perante um júri constituído pelos maestros Alberto Nepomuceno, Francisco Braga e outros, sob as seguintes condições: 1- solfejar nas 7 claves; 2- executar, em seus instrumentos favoritos, uma peça difícil e desconhecida para ambos; 3- cada um numa sala, individualmente, terá de escrever trecho musical instrumentando para orquestra e banda e depois fazê-los executar, trocando as regências; 4- desafinar por completo os instrumentos de banda e orquestra, e depois de bem afinados por cada um, reger uma overture ou peça difícil que não seja do conhecimento dos jurados; 5- responder às perguntas e escrever o que o júri determinar.


Maestro Duchesne (na ponta esquerda) e a Banda Penna de Ouro.

(Fonte: O Malho, ano 8, ed. 349, de 22 de maio de 1909.


Agora fica fácil entender tamanha paixão e engajamento deste respeitado músico das Antilhas, que deixou sua marca também em Macaé, quando por aqui passou e fixou residência em fins do século XIX. Anos depois de sua morada por aqui, Duchesne retorna mais uma vez em 1914, numa grandiosa festa em comemoração à Santa Cecília adiada para dezembro daquele ano. Nesta oportunidade, regeu a banda da Nova Aurora. Na programação musical, além da banda, uma Orquestra composta por músicos cariocas e macaenses, sob a regência do conterrâneo Alfredo Soares, e um Coral feminino, abrilhantaram o evento. No ano seguinte, por um curto período, Duchesne é contratado pela Nova Aurora para reger a banda. E assim, se consuma a relação do maestro com nossa cidade.


Francisco Lucas Duchesne deixou uma vasta obra durante sua trajetória no Brasil. Esse número extenso de músicas é consequência não só de sua criatividade, como também de um hábito que tinha. Muitas das vezes, após o almoço, sentava-se para escrever suas composições. Não há uma data exata, mas segundo relato de uma neta, o maestro faleceu por volta de 1941. Diz-se que no dia do seu enterro aconteceu uma coisa estranha: havia muitas folhas espalhadas somente por onde passava o caixão, e uma tempestade escureceu os céus do local. Segundo Aurênio Pereira Carneiro, por ser um costume da Igreja Católica, na época, realizar procissões de Corpus Christi usando folhas secas, pode ser que a morte de Duchesne tenha ocorrido neste período.


Suas contribuições com a cidade de São Fidélis foram expressivas e, em 2004, uma lei municipal foi criada para dar o nome do maestro a uma praça pública. E assim terminamos mais um episódio de Histórias da Música em Macahé, ao falar sobre mais uma grande referência da sublime arte que enriquece a história de nosso município. Ficamos por aqui, até breve e um grande abraço!


FIM.



Referência(s):

Fundo Musical:


  • Estrela de Friburgo, polka para trompete e banda. Música de Joaquim A. Naegele. Executada pela Banda da Associação Musical 22 de Outubro, durante as comemorações do centenário da Banda;

  • Primeiro Amor, valsa de Patappio Silva. Executado por Patappio e gravado pela Casa Edison em 1904.

  • Triste Consolação - Valsa de Francisco L. Duchesne. Executada pela Banda Odeon e lançada em abril de 1913.

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