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  • Foto do escritorHM Macahé

Episódio 53. Conexão Macaé - São João da Barra: Os Dobrados de Gumercindo Aquino.



OUÇA O EPISÓDIO:



Breve panorama da política norte-fluminense na República Velha.


Estamos na República Velha, em um cenário político bastante turbulento, principalmente quando se trata da política fluminense. Ao contrário de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, onde as elites dominantes vieram a se organizar em torno de partidos politicamente coesos, o Estado do Rio teve sua trajetória marcada por intensos conflitos no interior da classe dirigente, que repercutiram na ausência de agremiações partidárias melhor estruturadas.


Em Macaé, por volta de 1908, uma luta tenaz começava a ser travada entre dois grupos políticos: um, ligado à Nilo Peçanha; e o outro, ligado ao macaense Alfredo Backer. Os primeiros eram chamados de Nilistas e os segundos, de Backeristas. Em 1909, com a morte de Afonso Pena, Nilo Peçanha transfere-se para o posto de Presidente da República e aproveita a oportunidade para tomar medidas a seu favor. Nessa época, Backer era presidente do Estado do Rio (o que equivale a governador) e surgia como uma avalanche em Macaé o Partido Republicano Regenerador, aliado de Nilo Peçanha e ligado ao Partido Republicano Fluminense (PRF). Vale lembrar que em 1903, Backer e Peçanha foram importantes aliados na consolidação do pensamento republicano em Macaé, já que ainda havia resquícios do domínio conservador monárquico representado pela figura de José Caetano Carneiro da Silva, o Visconde de Quissamã.


À esquerda, o mulato campista Nilo Procópio Peçanha, considerado o primeiro negro presidente da história do Brasil; à direita, o macaense e médico Alfredo Augusto Guimarães Backer. Alianças e cisões políticas marcaram a carreira pública destes dois importantes republicanos norte-fluminenses.


Todos sabemos que conflitos políticos são motivados por interesses econômicos. Um desses motivos era a intenção - por parte dos dissidentes de Backer - de abolir a sobretaxa que onerava a exportação de café. Essa medida fazia parte do Convênio de Taubaté, um acordo firmado em 1906 entre os Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, quando Nilo Peçanha ainda ocupava o governo do Estado, sendo, portanto, o signatário do Convênio. O objetivo do acordo era pôr em prática um plano de valorização do café, garantindo o preço do produto por meio da compra, pelo governo federal, do excedente da produção. Backer defendia a manutenção dessa sobretaxa, e isso desagradava seus adversários.


O Partido Regenerador nascia, portanto, com o objetivo de enfraquecer a influência Backerista em Macaé, ao mesmo tempo em que lançava a sua chapa eleitoral, com candidatos a Vereador, Deputado Estadual, Juiz de Paz e apoiando o Marechal Hermes da Fonseca para a vaga na presidência da república. Nessa época, Macaé aglutinava em torno do Partido pessoas como: Feliciano Sodré, Teixeira de Gouveia, Benedicto Peixoto, Izidoro Lapa, José Cyriaco, Agenor Caldas, Júlio Ollivier (que rompeu com Backer durante esse processo), dentre outros.


É dentro deste cenário político conturbado onde também atuavam as Bandas de Música (no caso as civis, hoje centenárias), que muitas das vezes tocavam não como meras convidadas, mas como porta-vozes dos grupos políticos durante os seus “meetings” e outras solenidades. Era algo normal ver políticos e outras personalidades apoiarem essas corporações musicais, participando direta ou indiretamente do seu quadro dirigente. Muitas das vezes ocorriam confrontos entre as bandas durante as apresentações nas ruas, tudo isso movido pela inclinação política dos músicos e do público que os acompanhava. Um caso já mencionado aqui foi o de Cabo Frio, entre as Bandas Lyra Luso Brasileira e a Euterpe Cabofriense. As duas bandas representavam dois grupos políticos rivais: os Liras e os Jagunços. No dia 1 de janeiro de 1907, Cabo Frio foi sacudida por uma luta que culminou na morte de um membro dos Jagunços (da Euterpe), e no incêndio da sede da Lyra. Em Macaé, não há relatos de confrontos neste sentido no período em questão.


No que diz respeito à sociedade em geral, nem sempre ou quase nunca ela toma parte nas decisões da vida pública, o que a torna mera expectadora desses momentos de tensão política. Ainda mais quando nos referimos a épocas como a do início do século XX, em Macaé. Mesmo assim, indivíduos e grupos sociais absorvem e interpretam de diferentes maneiras esses acontecimentos. Há um grandioso trabalho da imprensa, inegavelmente parcial, pois já foi criada intencionalmente para dar sustentação a um posicionamento, influenciando a opinião pública. Desse trabalho midiático, surgem heróis e vilões. Os vilões são execrados e desmoralizados, como foi o caso de Alfredo Backer. Os heróis são exaltados, recebendo suas devidas honrarias. Era necessário que a imprensa, representada principalmente pelo jornal O Regenerador (porta-voz do Partido homônimo), destacasse nomes proeminentes da nova política macaense naquele momento.


Dentre os nomes já mencionados, destacamos dois: José Cyriaco e Feliciano Pires de Abreu Sodré. Foram eles os escolhidos por um jovem músico de São João da Barra, que os presenteou a cada um com uma música. Naquele emblemático e traumático ano de 1910 - um divisor de águas na política macaense - a música cumpre novamente o seu papel de levar a harmonia de suas notas musicais ao mundo caótico dos homens.


Vamos conhecer melhor o autor dessas músicas e os dois laureados…



Gumercindo Aquino


O Regenerador, ano 1, n.6, de 20 de janeiro de 1910.

Ele é natural de São João da Barra-RJ, e foi um músico que fez parte, naquela cidade, da Banda de Música “União dos Operários”, uma sociedade musical fundada em 09 de outubro de 1892 que ainda hoje se encontra em atividade. Seu nome era Gumercindo Aquino e tocava requinta na banda, um instrumento de sopro parecido com o clarinete, porém de tamanho menor e de som mais agudo. Seu nome começa a se destacar por volta de 1910, ainda na adolescência, quando contava com apenas 16 anos de idade. Aquino tocava outros instrumentos além da requinta e já colocava em prática seus dotes de compositor e arranjador musical. Era também filho do major Aquino que, neste período, presidia a União dos Operários.


Merece destaque dois momentos em que G. Aquino homenageou personalidades do Estado do Rio, compondo músicas. O primeiro laureado foi o maestro José Cyriaco, fervoroso republicano, pessoa influente na sociedade macaense e de família numerosa na cidade, que protagonizou a criação das nossas duas bandas centenárias, Nova Aurora e Lyra dos Conspiradores. A música presenteada foi um dobrado intitulado “Capitão Cyriaco”, na época elogiada pela imprensa como “uma peça de alto valor, escrita por um jovem que promete ser um gênio na arte que ama com decidida vocação e que tem feito verdadeiros prodígios musicais …”. Outro macaense homenageado com um dobrado foi Feliciano Sodré, engenheiro-militar e influente político, que já aos 29 anos de idade, venceu as eleições daquele ano de 1910 para exercer o mandato de deputado estadual pelo Partido Regenerador. Neste mesmo período, como tenente-engenheiro indicado pelo ministro da Guerra e futuro pre Mal. Hermes da Fonseca, Sodré ficou encarregado da construção do Forte de Macaé, e foi ele também que traçou o projeto da Fortaleza de Copacabana.


Na primeira metade do século XX, era muito comum as Bandas de Música tocarem os chamados Dobrados. “Dobrado” é um gênero musical que carrega a influência do paso-doble espanhol e se caracteriza pelo ritmo binário marcante, relativamente rápido e em passos de marcha. Sobre as "Bandas de Música", há que se tomar cuidado para não confundi-las com as bandas marciais e as de fanfarra. As que nos referimos aqui são aquelas compostas por músicos civis amadores membros das sociedades musicais (hoje centenárias) e que tocavam instrumentos de sopro (madeiras e metais) e instrumentos de percussão.


Na época, foi a Banda Lyra dos Conspiradores a receber as partituras, encarregada de ensaiar as músicas e de apresentá-las ao público. Isso não foi por acaso, já que a Lyra tinha como sócio-fundador, o benemerente José Cyriaco que, naquele momento, representava a sociedade como seu orador oficial. Também a banda União dos Operários teve importante papel nesse intercâmbio, além de ter também executado as músicas lá por São João da Barra. Infelizmente as partituras dessas duas músicas não foram encontradas na internet, que é o meio onde nós, do projeto HMM, pesquisamos com mais frequência, o que não significa dizer que elas não existam. Mas uma outra música, também da autoria de G. Aquino, foi encontrada. É do gênero schottisch, cujo título se chama “Santinha”, escrita para piano. Ela está disponível na internet, no endereço online que disponibilizamos nas referências de consulta no final deste episódio.

Trecho de "Santinha", schottisch de Gumercindo Aquino.


Neste pequeno recorte histórico, vimos quão impactante foi para Macaé os acontecimentos políticos de 1909/1910, influenciando talentos como Gumercindo Aquino, de São João da Barra, a quem rendemos homenagens, por ter sido ele o autor de peças musicais que fazem referência à nossa gente, às suas glórias e a um passado de tantos troféus (e porque não dizer, também de tragédias). Ficamos por aqui, até breve e um grande abraço!!


FIM.



Referência(s):



Fundo Musical:


  • Som tumultuado de vozes;

  • Hino da Proclamação da República. Música de Leopoldo Miguez e letra de Medeiros e Albuquerque. Arranjos e execução da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP) e Coral da OSESP. Regente: John Neschling. Ano: 2019;

  • Dobrado União dos Operários. Domínio Público. Gravado pela Banda de Música União dos Operários no Cine-Teatro São João da Barra. Ano: 2012.

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