HM Macahé
Episódio 45. A revolta do príncipe Bechuano - especial dia da Consciência Negra.

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Baseado no livro "Carukango - o Príncipe dos Escravos'', de Hélvio Gomes Cordeiro (2009). "Fugiu do capitão Antônio Pinto, proprietário de uma fazenda em Crubixais, termo de Macahé, um escravo de nome "Dodô", vulgo Curiango, de nação Moçambique, idade 25 anos pouco mais ou menos, ladino, com os sinais seguintes: cor um tanto fula, estatura acima da regular, mal feito de corpo, olhos grandes e vermelhos, cara descarnada, pouca barba, fala desembaraçada como a de crioulo. Marcas como de ventosas sarjadas nas nádegas e nas costas, meio beiçudo, cabelo picumã, nariz chato. Pisa com os calcanhares por ter os pés fretados e feridos de bichos, trás no peito uma cicatriz recente em forma de F e tem canelas grossas em razão dos ferros em que se achava antes da fuga. É perigoso e abusado. Quem o apreender e levar, em qualquer estado, a seu dono, será gratificado com 200$000. E protesta-se com todo o rigor da lei a quem lhe der acolhida". (Jornal Reverbéro Constitucional Fluminense) Ele foi considerado tão importante quanto Zumbi dos Palmares, tendo sofrido os mesmos castigos por não aceitar as condições impostas a ele e seus irmãos. Carukango, príncipe de uma linhagem étnica da tribo Bochuana, às margens do rio Zambezi em Moçambique. Durante a festa de casamento de uma de suas irmãs com a filha do rei dos Bazutos, houve grande comemoração regada a vinho e aguardente, dados de presente aos noivos. A tribo dos Zulus, que havia feito uma negociação com os brancos traficantes de escravos do litoral, recebeu a missão de fazer os bechuanos de prisioneiros. Durante a madrugada, enquanto todos dormiam após a festa, os Zulus invadiram o povoado armados de lanças, zarabatanas e bordunas, guarnecidos com escudos de couro de rinoceronte. Os bechuanos saíram das cubatas de palha e se fecharam em círculo no meio do terreiro, conseguindo expulsar os Zulus numa luta corpo-a-corpo. Mesmo lutando bravamente, Carukango, ao presenciar a morte da mãe atingida por um dardo envenenado da zarabatana, levou uma pancada na cabeça e ficou completamente desacordado. Ao despertar já se vê acorrentado junto a outros nativos e levado para as campinas do Catembe (hoje incorporado a Maputo), onde existia uma feitoria dos brancos. Os prisioneiros foram negociados por traficantes de escravos estabelecidos em Sofala, em troca de cachaça e tabaco. Tudo era feito às escondidas, de forma a sonegar tributos resultantes da compra e venda de escravos, prática comum realizada pelos benfeitores e donos de engenho. Era o início dos anos de 1800, Carukango embarca no navio tumbeiro de nome "Gaivota Feliz", em uma viagem que durou cerca de 5 semanas, enfrentando grandes tempestades e fugindo dos cruzadores ingleses. Essas embarcações eram de pequeno calado, navegando com mais velocidade que os cruzadores, além de escapar com facilidade em canais mais rasos. Por esse motivo, os cruzadores ingleses traziam a bordo os lanchões de guerra, que acessavam facilmente os canais para perseguirem os traficantes. O desembarque teve lugar na enseada de Quissamã, próximo da embocadura do riacho (Rio Furado). O leilão foi realizado no mesmo local, sendo todo o lote arrematado por um negociante de Macaé chamado Francisco José Domingues, o "Chico Domingues", que tinha como sócio um outro traficante do Rio de Janeiro. Nessa investida, Chico Domingues pagou 160 mil réis por cada escravo. No leilão de Macaé, três escravos foram vendidos por uma oferta generosa feita pelo capitão Antônio Pinto, de família muito poderosa na região serrana. Carukango era um deles e estava acompanhado de mais dois companheiros: Tumé e Mandu Gambô. A família Pinto era dona de uma vasta área que abrangia o Frade, Crubixais (Glicério) e a freguesia de Nossa Senhora das Neves e Santa Rita, atual distrito de Córrego do Ouro. Ainda sobre Francisco José Domingues, antigo negociante de ouro e diamante, viu a decadência da exploração aurifera em Minas gerais e decide investir em sua nova fonte de renda: o tráfico humano. Os escravos chegavam em Macaé e eram estocados em casarões até serem mandados para as fazendas. Um exemplo de lugar conhecido onde ficavam alguns dos escravos era a casa do próprio Domingues, que já serviu de estadia para o imperador Dom Pedro II, em 1847. Foi a sede da prefeitura da cidade e depois da Câmara dos Vereadores. Hoje é a sede do Museu do Legislativo. Carukango já trabalhava há oito anos na fazenda dos Pinto e, por seu histórico de fugas, era castigado constantemente, devido a sua rebeldia e inconformidade com aquela situação a que estava submetido. Seu corpo era todo lanhado e marcado pelas surras que levava do "bacalhau", um chicote de couro com várias pontas. Tinha personalidade forte e sua rebeldia começava a ganhar fama. Não abandonou suas crenças religiosas e costumes africanos, e era taxado de feiticeiro por isso. Suas rezas nas altas horas assustava os algozes, porém chamava a atenção dos outros negros que conviviam com ele. Acabou exercendo uma liderança tanto por sua bravura quanto por sua espiritualidade. Era reconhecido como o príncipe que foi mandado por Zâmbi, o Deus dos africanos, o líder que protegeria e libertaria a todos. Suas constantes fugas, permitiram que ele tomasse maior conhecimento geográfico da região serrana, principalmente das áreas montanhosas, o que facilitaria não só escapar, mas organizar seus ataques e defesas contra o inimigo. Um local de difícil em acesso, protegido por densas matas virgens, beneficiado por platôs e nascentes de água doce e terra fértil. Este era o lugar ideal para Carukango criar um Quilombo na Serra do Deitado. E assim o fez. Carukango se junta a seus dois companheiros de confiança, Tumé e Mandu Gambô, e inicia suas investidas contra os algozes, organiza emboscadas e saques de ferramentas, armas, alimento e libertava escravos em várias fazendas. Enquanto isso, o Quilombo se estruturava, juntamente com a criação de animais e as plantações de vários alimentos como milho, inhame, feijão, mandioca, favas, maxixe, cana e etc.

Na medida que a revolta se espalhava, as baixas começavam a atingir os fazendeiros e seus capatazes, inclusive com o assassinato de membros da família Pinto. Antônio Pinto, Chico Domingues e outros fazendeiros organizaram uma milícia chefiada pelo experiente coronel Antônio Coelho Antão de Vasconcellos, chefe do distrito militar da capitania do Espírito Santo, que se estendia até Campos dos Goytacazes. Após frustrantes ataques da milícia, mesmo armados até de canhão de médio porte, e por não conhecer bem o quilombo e seus arredores, o coronel captura um negro quilombola e o faz revelar informações importantes sobre o local. Para lá marcharam em 31 de março de 1831 e após armar grande operação por toda noite e cercar todo abrigo dos amotinados a tropa atacou no dia 01 de abril e foi respondida por uma chuva de peças de bambu, pedras e balas. Uma buzina foi ouvida e dezenas de negros saíram da casa que ali havia atirando para todos os lados. Uma carnificina se deu e todos que saíram foram mortos. De repente Carukango surge de dentro do abrigo, com uma batina de padre preta e um crucifixo e faz todos pararem boquiabertos, enquanto vinha andando abraçado no crucifixo, então, foi em direção de um filho da família Pinto que ali estava compondo a tropa e sacou uma arma de dois canos, que estava escondida dentro da manga da batina. Mirou, atirando certeiramente na cabeça do jovem. Carukango foi nosso Zumbi, o general do Quilombo. Um símbolo de luta pela liberdade em terras macaenses, que liderou o maior movimento de escravos de que se tem notícia na região Norte-Fluminense. E hoje, dia de Zumbi dos Palmares e da Consciência Negra, nada como prestar essa homenagem ao nosso Zumbi. Viva Carukango!! Ficamos por aqui e voltamos em breve para falar sobre aquela que é a excelsa padroeira dos músicos. Até breve e um grande abraço!! Súplica Tirem-nos tudo, mas deixem-nos a música! Tirem-nos a terra em que nascemos, onde crescemos e onde descobrimos pela primeira vez que o mundo é assim: um labirinto de xadrez… Tirem-nos a luz do sol que nos aquece, a tua lírica de xingombela nas noites mulatas da selva moçambicana (essa lua que nos semeou no coração a poesia que encontramos na vida) tirem-nos a palhota ̶ humilde cubata onde vivemos e amamos, tirem-nos a machamba que nos dá o pão, tirem-nos o calor de lume (que nos é quase tudo) ̶ mas não nos tirem a música! Podem desterrar-nos, levar-nos para longes terras, vender-nos como mercadoria, acorrentar-nos à terra, do sol à lua e da lua ao sol, mas seremos sempre livres se nos deixarem a música! Que onde estiver nossa canção mesmo escravos, senhores seremos; e mesmo mortos, viveremos. E no nosso lamento escravo estará a terra onde nascemos, a luz do nosso sol, a lua dos xingombelas, o calor do lume, a palhota onde vivemos, a machamba que nos dá o pão! E tudo será novamente nosso, ainda que cadeias nos pés e azorrague no dorso… E o nosso queixume será uma libertação derramada em nosso canto! ̶ Por isso pedimos, de joelhos pedimos: Tirem-nos tudo… mas não nos tirem a vida, não nos levem a música! - (NOÉMIA DE SOUSA)
FIM.
Referência(s):
●Série Desvendando Macaé: Carukango, o Zumbi de Macaé. Disponível em: https://cliquediario.com.br/artigos/serie-desvendando-macae-carukango-o-zumbi-demacae;
● Cordeiro, Hélvio Gomes. Carukango- O Príncipe dos Escravos. Campos dos Goytacazes. Gratinar. 2009;
● Súplica, por Noémia de Sousa. Disponível em: https://peita.me/blogs/news/suplica-por-noemia-sousa.
Fundo Musical:
● African Drums. African Music Rec. Aqua Purha. 2011;
● Raiz de Aruanda. Mestre Dengo. Do álbum "Cheguei e dei volta ao mundo. 2007.