Episódio 22: A prima-dona em Macaé e a influência de sua Companhia Lírico-Dramática no Brasil.

Augusta Candiani.
Óleo sobre tela 70x57, de François René Moreaux (França, 1807 - 1860)
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INTRODUÇÃO:
Em meados do século XIX, grandes transformações marcaram o Brasil e, especialmente, o Rio de Janeiro. Cidade laboratório das principais construções ideológicas do país, se tornou palco da afirmação de um ideal civilizatório e modernizante, uma perspectiva de implementação, em terras brasileiras, dos usos e costumes advindos da Europa. No campo da arte essa construção também será latente no decorrer deste século, através de muitas influências trazidas pela família real, a partir de 1808. Uma delas é italiana e suas interpretações lírico-dramáticas. O drama lírico provém das formas musicais da ópera, do oratório, da cantata [...] a música não é mais um componente exterior acrescentado ao texto: é o próprio texto que se “musicaliza” numa série de motivos, falas e poemas que têm valor em si e não em função de uma estrutura dramática claramente desenhada. A estrutura musical pura, aí inclusas as formas que se utilizam de texto, constitui-se a partir de uma concepção de totalidade. Existe, portanto, uma diferença fundamental entre a música como parte de um universo heterogêneo, de um lado, ou como um elemento que deve se articular como um todo homogêneo, de outro; essa “é sem dúvida a chave mais importante para compreendermos a relativização dos conceitos técnicos que a prática da música de cena opera com relação à música pura”.
A presença da Itália no Brasil remonta aos tempos do descobrimento. Há registros de cronistas referindo-se à refugiados políticos, jesuítas, cosmógrafos, marinheiros, mercadores e a presença de genoveses e venezianos no cultivo da cana-de-açúcar e exportação de açúcar para a Europa. Entre os anos 1820 e 1832, a Itália ainda era um aglomerado de Estados Absolutos. O Reino das Duas Sicílias era conhecido por ter a marinha mais importante da Península naquela época. Os negócios entre o Reino das Duas Sicílias e o Brasil permanecerão por muito tempo, tanto que o casamento, mais tarde, de Dom Pedro II com Teresa Cristina Maria de Bourbon selará a união entre os dois lados. Teresa Cristina Maria de Bourbon, Imperatriz do Brasil, irmã de Fernando II de Bourbon, soberano do Reino de Nápoles. Teresa Cristina chega ao Brasil em 1843 já casada, por procuração, com D. Pedro II na capital napolitana em 30 de maio daquele ano. Conhecida como “Mãe dos brasileiros”, a Imperatriz exerceu influência em muitos aspectos da cultura italiana no Brasil, e o contrário também ocorreu, levando a cultura brasileira para a Itália. Prova disso era o seu gosto pela arqueologia, o que a fez realizar trocas de objetos de arte indígena com seu irmão, recebendo de lá objetos de Pompeia e de Herculano.
Nutrindo paixão também pela música, Teresa foi responsável por algumas idas e vindas de artistas entre Brasil e Itália. O Atlântico foi ponte para a travessia de muitos artistas italianos, companhias de teatro lírico e dramático que se apresentavam no Brasil e depois retornavam à Itália. São muitas as histórias dessas figuras artísticas, muitas inclusive fixaram-se no Rio de Janeiro e nas crônicas de Machado de Assis. Os livros e os jornais nos contam que essas viagens de cantores italianos para o Brasil são bem antigas. Por volta de 1816 tivemos por aqui, depois de longa carreira na Itália, o castrato João Francisco Fasciotti e no ano de 1827, Maria Teresa Fasciotti e Elisa Barbieri. Esses artistas fazem parte de um período anterior da história, que foi a vinda da família real para o Brasil em 1808. Nesta época, entre os anos de 1814 a 1832, houve uma intensa atividade lírica na corte.
Em 12 de outubro de 1813, foi inaugurado o Real Teatro de São João e no ano seguinte a ópera "Axus, Rei de Ormuz", de Antonio Salieri estreia nesse Teatro. São os tempos de José Maurício Nunes Garcia e Fernando José de Almeida, este último responsável pela construção do teatro acima mencionado. Entre os anos de 1844 e 1858 muitos artistas atravessaram o Atlântico para divulgar o canto lírico italiano, fluxo responsável por fazer com que a ópera italiana se tornasse parte do cenário nacional, tanto daquele momento quanto posteriormente. O compositor de destaque no Rio de Janeiro desse período foi Vincenzo Bellini (1801- 1835), principalmente devido a sua ópera 'Norma', que estreia nos palcos mal iluminados do Rio de Janeiro em 17 de janeiro de 1844, no rebatizado Teatro de São Pedro de Alcântara, antigo Real Teatro de São João, que pegou fogo em 25 de março de 1824. É aonde se encontra hoje o Teatro João Caetano. Esta é a ópera graças à qual a soprano Augusta Candiani ficará na memória de toda uma geração interpretando a sacerdotisa gaulesa Norma. Naquela noite, o teatro teve interrompido um longo silencio. Candiani representa, assim como outros artistas italianos, a presença viva da Itália no Rio de Janeiro do século XIX. Diferente dos outros cantores, ela não veio de passagem, sua travessia pelo Atlântico foi definitiva.

À esquerda: estreia de A. Candiani com a sua Companhia no Brasil, interpretando 'Norma', no Teatro de São Pedro de Alcântara, em 17/01/1844. (Fonte: acervo digital da BN. Jornal do Commercio - ano XIX - nº 14, de 15/01/1844).
À direita: estréia oficial da ópera 'Norma' (de Vincenzo Bellini), no Teatro alla Scala - Milão, 1831. Estrelando, a cantora lírica Giuditta Pasta.
Carlotta Augusta Angeolina Candiani nasceu em Milão (capital da música e da cena lírica) em 3 de abril de 1820, mas não se projetou como artista em sua cidade natal. Em dezembro de 1843, a então jovem de 23 anos, já casada com o farmacêutico Gioacchino Candiani Figlio, chega ao Rio de Janeiro como a prima-dona da 'Companhia Lyrica Italiana' sem qualquer contrato ou alguma promessa para cantar, “fazendo parte de um grupo de oito cantores líricos italianos, que percorriam o Novo Mundo à procura de melhor fortuna, e cujo chefe era simples capitão de um bergantim sardo, arvorado em empresário teatral”. A cantora nunca mais voltou à Itália e o que mais chama atenção na sua história é o fato dela ser desconhecida em seu país de origem e no Brasil daquela época ser um símbolo italiano. Silverio Corvisieri comenta que depois da sua inesquecível interpretação de “Casta Diva”, dizer Candiani no Brasil significava dizer ópera lírica italiana e vice-versa”. Vincenzo Cernicchiaro em seu livro “Storia della musica nel Brasile: dai tempi colonial sino ai nostri giorni (1549-1925)”, ou seja, "História da Música no Brasil: dos tempos coloniais até nossos dias", destaca o ano de 1844 como de grande importância para a arte carioca: ”O ano de 1844 anunciava uma nova vida artística e política; era o fulgurante início da arte lírica, que, além de satisfazer o tão cobiçado desejo do público, deveria abrir caminhos para as aspirações dos jovens compositores, os quais, em um futuro próximo, poderiam fazer as suas primeiras tentativas na arte das inspirações melodramáticas...”.

Real Teatro de São João - 1835.
(Gravura de Karl Wilhelm Von Teremin. Fonte: site www.vitruvius.com.br)
A companhia estrelada pela soprano, e também atriz, faz muito sucesso no Rio de Janeiro por longos anos, mas não é a única: além de outras companhias líricas italianas e a contratação de outros artistas, os palcos do Rio de Janeiro também eram ocupados pelas companhias francesas que, na maioria das vezes, apresentavam também um repertório italiano, afora a ópera-comique, vaudeville e chanson. Além da ópera, Candiani também cantou modinhas – transpondo as barreiras entre o erudito em língua italiana e o popular em língua portuguesa. Esse gênero de música popular a soprano italiana teve a primazia de levar ao palco do teatro nos entreatos das óperas. Fato este que ocorreu pela primeira vez em 1846, quando Candiani cantou no Teatro São Januário a modinha “A Sepultura de Carolina”, letra de Lemos de Magalhães com música de M. Rafael.
Em março de 1844 nasce sua primeira filha, Teresa Cristina Maria Candiani Figlio, batizada com o nome de sua madrinha, a Imperatriz e conterrânea de Candiani, Tereza Cristina, e como padrinho D. Pedro II. Em 1846, já se encontra separada de seu marido italiano e convive com José d'Almeida Cabral, compositor de modinhas e lundus, pouco falado ainda em nossos dias. O episódio causou inúmeros constrangimentos na época, com cartas de Gioacchino publicadas em jornais revelando publicamente os desagravos com a ex-esposa. O divórcio retirou de Augusta todos os seus bens e a guarda de sua filha. A cantora se afasta do centro da Corte e passa a cantar em outros palcos, viajando para várias cidades do Brasil e para o interior fluminense. Atuando também como atriz dramática, Candiani nunca deixou de cantar modinhas ou árias de seu repertório romântico que incluía principalmente obras de Gaetano Donizetti e Vincenzo Bellini. Deste modo, levava o teatro e a música da Corte para outros recantos do país.
Eis que, em 12 de janeiro de 1866, a Sociedade Dramatica Philo-Scenica Macahense, sociedade responsável pela construção e manutenção do Teatro Santa Isabel, manda publicar em imprensa local, a chegada da Companhia Cabral, uma Companhia Lírico-Dramatica pertencente ao marido da cantora, o já mencionado José d'Almeida Cabral, e anunciando a chegada da prima dona:

Noticiários do jornal Monitor Macahense, ano IV - nº 360, de 12/01/1866.
(Fonte: Acervo Digital da Biblioteca Nacional)
Em outro noticiário, na mesma edição do jornal, constam informações mais detalhadas sobre sua estréia na cidade, nos dias 20 e 21 de janeiro de 1866. É também neste dia 21 de janeiro que a cantora se apresenta na inauguração do Sobrado Ribeiro de Castro, de acordo com postagem de Cláudio Prado de Mello, diretor presidente do IPHARJ, no dia 30/12/2020 em seu perfil do facebook. Este Sobrado é o mesmo lugar que, muito tempo depois, se tornou conhecido pela alcunha de Palácio dos Urubus.
Entre janeiro e maio deste ano, a Companhia Dramatica Cabral realiza seus espetáculos em Macaé, apresentando récitas no Teatro Santa Isabel (esquina da rua Conde de Araruama com a rua Teixeira de Gouveia), com um repertório contendo dramas musicados. Também consta a informação de uma apresentação no período de carnaval, em bailes mascarados, no salão da Câmara Municipal. O roteiro de seus espetáculos em Macaé é composto por um repertório dramático com intervenções musicais: são árias, cavatinas e rondós de obras operísticas italianas cantados por Candiani nos atos e entreatos de peças dramáticas. Somado a isso, rondós e romances de um tal "sr. empresário", eram cantados por ela. Ao que tudo indica, eram composições do dono da Companhia, sr. José d'Almeida Cabral, marido da cantora há 20 anos (que inclusive tinham uma filha que fazia parte da Companhia, Maria Augusta). Várias linguagens teatrais eram usadas pelo elenco como: dramas, comédias-drama, comédias, duetos cômicos cantados e dançados, vaudevilles e paródias burlescas.

Esquerda: Teatro Santa Isabel em 1904.
Centro: Teatro SI vista de cima.
Direita: foto atual do antigo Teatro.
(Fonte: Facebook de Felipe Passos - publicado em 07/01/2021)
Muitas são as influências desse teatro de variedades, com repertório misto e ligeiro, apresentado pela Companhia da prima dona Candiani: a ópera-buffa italiana, a ópera-còmique francesa, o bel canto, burletas, operetas, zarzuelas... todos estes estilos integram o repertório ligeiro, de curta duração, em contraponto à chamada "ópera séria". Destacamos aqui a parceria de Candiani e Cabral na difusão das canções românticas populares durante as viagens da Companhia pelo Brasil, tanto modinhas quanto lundus. Dentre os gêneros mencionados destaca-se a opereta, que se torna bastante popular no Brasil, a partir do Rio de Janeiro. Trata-se de um estilo criado na França, em 1855, por Jacques Offenbach, compositor francês de origem alemã, para fazer frente ao crescimento da ópera-cômica e do vaudeville, como forma de parodiar o que se poderia chamar de ópera oficial. Tornou-se famoso depois da estréia bem sucedida, em 1865, da opereta "Orphée aux Enfers". Em 1859 é inaugurado o Alcazar Lyrique Fluminense, o primeiro café cantante da cidade do Rio, transformando o cenário cultural e revirando costumes conservadores.

Programações de algumas récitas com a participação de A. Candiani e da Companhia Dramática Cabral.
(Fonte: jornal Monitor Macahense. Acervo digital da BN)
Segundo Fernando Antonio Mencarelli "as companhias tinham na dupla de opostos formada pelos cômicos de expressão mais popular e pelas cantoras de operetas estrangeiras suas principais atrações. Acadêmicos na dramaturgia, ambiciosos empresários no comando, talentosos cômicos populares e divettes internacionais no elenco, maestros e compositores de óperas e jongos nas partituras e orquestras, e um público à altura de tamanha diversidade fez o teatro musical do século XIX ser um dos mais férteis campos de expressão da complexidade social brasileira da segunda metade do século XIX". Também o Teatro de Revista põe o palco em contato com a rua. Ali se passa em “revista” os acontecimentos do ano e os comenta humoristicamente. Os fatos são levemente alinhavados por um enredo de comédia. A música, elemento fundamental e grande ponto de sustentação desse tipo de espetáculo, é sempre alegre, graciosa e espirituosa. Tem uma exuberância decorativa. Utiliza estribilhos jocosos e árias risonhas e brejeiras. A partir de 1877, uma figura importante de nossa música se destaca no universo cênico: é a compositora e maestrina Chiquinha Gonzaga. Além de fazer parte da vanguarda do Choro, foi através do teatro que sua música se consagrou. Almejando uma identidade para a música brasileira, ela conseguiu reunir em suas obras elementos de origens diversas, resultando em obras mais originais. na forma de operetas. Musicando integralmente ou parcialmente as peças teatrais, Chiquinha Gonzaga ajuda a consolidar uma relação íntima entre o teatro e a música popular.
Todo o exposto aqui, até o momento, não se trata simplesmente de exaltar camadas sociais privilegiadas e seus gostos refinados pela arte, mas de reconhecer que o incremento desses elementos estéticos em nossa cultura fizeram parte da conjuntura social e política de uma época e devem ser encarados como elementos agregadores de um vocabulário que se tornou mais rico e que deve favorecer o trabalho do artista contemporâneo em sua gama de escolhas. Por outro lado, não podemos desperdiçar a oportunidade de perguntar por que. por exemplo, não se criou em Macaé um centro de formação artística depois de tão rica experiência com a vinda da Companhia de Candiani? Estamos falando de uma Macaé de 1866, escravagista, e provavelmente não teriam tantos alunos assim, já que muitos se ocupavam de penosos trabalhos. Apesar de que, já nessa época, existiam pelo Brasil as chamadas Bandas de Barbeiros, compostas por músicos na condição de escravos. O que provavelmente ocorreu por aqui antes da formação de nossas duas conhecidas sociedades musicais.

Fato é que existiam alguns músicos e atores na cidade, mas é bem provável que a formação deles não tenha sido aqui. Como por exemplo, em outra edição do jornal Monitor Macahense, de 13/07/1869 (imagem ao lado), aparece um evento em comemoração do natalício de D. Leopoldina, cuja programação do espetáculo é bem extensa coincidindo, em muito, com as récitas da Companhia Cabral. São declamações poéticas, dramas, comédias, uma cena cômica (que acabou não sendo apresentada) e várias intervenções musicais no decorrer do espetáculo. Não há menções dos atores e seus nomes, mas destaco aqui alguns nomes importantes que foram mencionados no jornal: o alferes e poeta Antero Dias Lopes; o músico Joaquim Augusto de Freitas Coutinho que, com sua rabeca e piston, ornava com música o final dos dramas encenados e ainda por cima executando variações concertantes.
Acompanhando o sr. Coutinho, estavam presentes as Bandas de Música dos srs. José Nunes de Figueiredo e Antonio Francisco de Azevedo. Joaquim Coutinho e José Nunes também fizeram parte do quadro de membros fundadores da SPM Nova Aurora, em 0 8/06/1873, sendo Coutinho também o autor do Hino Social desta Sociedade. Sobre Antonio Francisco de Azevedo, há um relato da professora Ancira G. Pimentel, na revista do centenário da Nova Aurora, onde associados e músicos de ambas sociedades musicais se envolveram num violento conflito frente à sede da Lyra dos Conspiradores, ocorrido em 13/09/1886, "saindo gravemente ferido a navalha no pescoço o sr. Antonio Francisco de Azevedo."
Após suas viagens pelo Brasil, Candiani volta ao Rio de Janeiro em 1877, passando a atuar em pequenos papéis de comédias, mágicas e operetas, trabalhando inclusive com o grande ator de comédia na época, Francisco Corrêa Vasques, e com o empresário Jacinto Heller, mantendo-se na cena artística até o ano de 1880. Separa-se de Cabral e passa a viver com o autor de peças teatrais Bartholomeu de Magalhães, com quem passou a viver até os derradeiros dias da sua vida. Os dois deixaram o Rio Grande do Sul e retornaram ao Rio de Janeiro, indo morar em Santa Cruz, em uma pequena casa doada pelo imperador D. Pedro II. Falece aos sessenta e nove anos, em 28/02/1890, três meses após a proclamação da República, longe da fama e do prestígio que lhe dera o título de “Diva”.

Última residência de A. Candiani, esquina entre a rua Senador Camará e Rua Império, no bairro Santa Cruz, cidade do Rio de Janeiro.

Do álbum de A. Candiani: soneto oferecido à cantora no dia de seu benefício, na noite de 17 de dezembro de 1844, pelo seu admirador Felicissimo da Costa Gomes.
(Fonte: Revista da Semana - ano XXIII - nº50, de 09-12-1922)
Teatro Musicado e Teatro Musical
Como foi falado lá no início, a música pode se comportar numa estrutura dramática: ou como componente exterior, que simplesmente adorna o drama, ou como componente agregador da construção lírica e textual. É com essa diferença conceitual que, talvez, consigamos enxergar melhor o papel da música no ambiente de atuação dramática, Por isso os termos "Teatro Musicado" e "Teatro Musical" não devem ser confundidos. Dando um salto no tempo, para a nossa Macaé do século XXI, e já admitindo as grandes contribuições dessa gama de variedades do séc. XIX, vamos relembrar alguns espetáculos marcantes na cidade que se enquadram em ambos os casos: a começar no ano de 2000. Último ano do séc. XX, na verdade. Mas este ano, em julho, que o Teatro Municipal é inaugurado depois de muitos anos com um prédio abandonado ao qual ele pertence. (vide episódio 4 - O Palácio dos Mendigos). Recuperado, reformado e inaugurado, é em setembro do mesmo ano que uma peça teatral estréia em Macaé gerando enorme repercussão: "Motta Coqueiro, culpado ou inocente", dirigida pelo escritor e também cineasta Phydias Barbosa em co-autoria com o jornalista Armando Borges. A parceria com Dácio Lobo Júnior como diretor musical da trilha sonora com músicos ao vivo, também chamou atenção. Phydias nos conta brevemente como isso ocorreu:
Phydias: no ano de 2000, eu montei uma peça no Teatro Municipal de Macaé. Ela se chamou "Motta Coqueiro, culpado ou inocente". Essa peça foi abrilhantada pela trilha sonora de Dácio Lobo Júnior, o Dacinho, que com uma música só, que é o hino de Macaé, transformou o hino em diversos ritmos: samba, trote, fox-trote, valsa... fez umas adaptações do hino e algumas vinhetas com o hino, para que contássemos a história de Motta Coqueiro no palco. E aí tem uma trilha sonora sensacional, totalmente original para teatro. Que eu teria feito também para o cinema se eu tivesse tido a sorte de produzir o filme, baseado também na peça, da qual eu sou um dos autores, autor e diretor. Nem muita gente utiliza uma trilha com vinhetas, com temas, numa peça teatral. E acaba virando um musical. No nosso caso a gente teve uma trilha que serviu de base para ser um musical, no caso da infantil (ele se refere à peça de sua autoria "A Floresta do Luar Não Vai Acabar), e usou uma trilha totalmente baseada no hino de Macaé, de Lucas Vieira e Antonio Alvares Parada, em ritmos diferentes. E isso é genial!
Outro momento interessante, que me cabe na lembrança e que tive o prazer de participar, foi o espetáculo do Auto de Natal, realizado pela Fundação de Cultura (atual Secretaria de Cultura) em 2011, na praça Verissimo de Melo. Trilha sonora ao vivo com arranjos musicais que intensificavam a catarse de algumas cenas dramáticas. O efeito de também ver os músicos tocando é bem mais orgânico, do que simplesmente ouvir o som mecânico dos playbacks.
O papel do Teatro Musical chega muito próximo de tudo que temos falado até aqui. Em Macaé, um projeto piloto lançado em 2015 pela Escola Municipal de Artes Maria José Guedes, criou o Curso de Teatro Musical e vem realizando muitos espetáculos. A direção musical está a cargo do professor de canto, arranjador e maestro Jardel Maia, experiente no trabalho com atores e que, desde 2010 vem trabalhando em musicais, preparando atores, cantores e bailarinos. Em uma reportagem ao jornal O Debate, na época, ele diz que "o Teatro Musical tem uma estrutura que exige o entendimento da parte de música e da parte de tempo. A musicalidade do ator/cantor ou bailarino/ator é essencial para que ele possa desempenhar bem algum papel dentro do teatro musical ...". Ele afirmou também que a idéia para o ano seguinte era começar a trabalhar solos e duetos nas encenações.
Outro espetáculo que chamou a atenção por seu formato híbrido foi o "(En)cantos de Hollanda", baseado no maior dramaturgo do Teatro Musical Brasileiro: nada menos do que Chico Buarque. O projeto reuniu cenas de peças de Chico, as quais: Ópera do Malandro, Gota D'água, Circo Mistico e Calabar, numa roupagem descolada e irreverente apresentada pelos alunos da Escola de Artes. Dentre os objetivos na formação do artista estão: facilitar a formação integral e continuada do participante por meio da vivência nas linguagens artísticas que compõem o Teatro Musical; apresentar durante os encontros, de forma interdisciplinar, lúdica e dinâmica, a integração da música e teatro; estimular a desinibição do ator através do canto; levar o ator ao universo do musical brasileiro por meio da técnica vocal e canto; proporcionar o conhecimento do repertório de Chico Buarque na dramaturgia brasileira, assim como o entendimento do estilo e da técnica para se cantar música popular em teatro.

Musical '(En)cantos de Hollanda', no Teatro Municipal de Macaé, em 2019.
Fontes de Consulta:
Acervo digital da Biblioteca Nacional;
Amim, Véricles Vanzella. A presença artística italiana no Teatro do Rio de Raneiro na primeira metade do século XIX: a “Companhia” Lírica atuante no Imperial Teatro de São Pedro de Alcântara - década 1821-1831;
Satin, Ionara. Augusta Candiani: a soprano italiana musa de Machado de Assis; https://literatura-italiana.blogspot.com/2020/06/augusta-candiani-soprano-italiana-musa.html?m=1;
Satin, Ionara A Itália de Machado de Assis : um olhar de cronista. Assis, 2018;
Dias, José. Teatros do RIo: do século XVIII ao século XX. http://www.funarte.gov.br/wp-content/uploads/2016/08/Teatros-do-Rio-do-s%C3%A9culo-XVIII-ao-s%C3%A9culo-XX-Jos%C3%A9-Dias.pdf;
Uma breve biografia. Augusta Candiani. http://augustacandiani.blogspot.com/2008/05/augusta-candiani.html;
Stark, Carvalho Andrea. Augusta Candiani(VERBETE). Schumaher, Schuma; Brasil, Érico Vital (org.) Dicionário Mulheres do Brasil – de 1500 até a atualidade. Biográfico e ilustrado. Jorge Zahar Editor, 2000;
Augusta Candiane e o Bairro de santa Cruz. http://amigosdopatrimoniocultural.blogspot.com/2009/05/augusta-candiane-e-o-bairro-de-santa.html;
Diniz, Edinha. Chiquinha Gonzaga Uma história de vida. Editora Rosa dos Tempos, 1999;
Musical apresenta pioneirismo de nova geração de artistas macaenses. https://issuu.com/odebateon/docs/caderno2_29-11-15;
Escola de Artes de Macaé realiza curso de técnica vocal com teatro. https://cliquediario.com.br/cultura/escola-de-artes-de-macae-realiza-curso-de-tecnica-vocal-com-teatro;
Abreu, Solange Pereira de. Chiquinha Gonzaga e o teatro musicado: https://ppgmufrj.files.wordpress.com/2016/06/12-chiquinha-gonzaga.pdf
Fundo Musical:
Norma / Act 1 - "Sediziose voci... Casta Diva... Ah! bello a me ritorna" (Vincenzo Bellini). Do disco Grandi Voci, Joan Sutherland. 1960;
Orphee aux enfers, de Jacques Offenbach;
Saci Perere, da Opereta 'A Corte na Roça'. Do disco 'Chiquinha Gonzaga por Clara Sverner. Ergo, 1998;
Carnival of Venice, de Niccolo Paganini. Gravado no Suntory Hall, Tokyo, em 05/10/2004. Piano: Nikolai Lugansky e Violino: Vadim Repin;
Cavatina Allor Che I Forti, de Giuseppe Verdi. Orchestra Philharmonic The Milan, 2009;
Hino de Macaé, interpretado por dois amantes da bossa-nova: Adriana Assis (voz) e Lúcio "Chin" Duval (violão / arranjo);
"O Malandro". Ópera do Malandro de João Falcão - Cena Musical (Youtube);
Considerações finais:
Nada melhor do que encerrarmos o nosso episódio de hoje citando o exemplo deste grande espetáculo ocorrido em Macaé. Se observarmos bem, são muitas as influências presentes nos elementos que constituem os musicais. As operetas do século XIX representadas pelas Companhias Dramáticas, dentre as quais a que Augusta Candiani fazia parte, rodando o Brasil e passando por Macaé, cantando suas árias, cavatinas de óperas, rondós e canções populares de modinhas, aliado à dramaturgia, sem dúvida deixaram marcas para que hoje sejam utilizados uma gama de recursos técnicos na construção dos espetáculos.
Depois desse passeio no tempo, e sempre abordando nossa Macaé como palco de importantes acontecimentos que precisam ser lembrados e, mais do que isso, precisam ser valorizados como referenciais históricos para se pensar uma Macaé melhor no presente e futuro, é que nos despedimos certos de termos contribuído com mais um grão de areia, na construção de uma memória cultural mais rica de todo o município. Lembrando mais uma vez que os créditos referentes às fontes de pesquisa e ao fundo musical usados para fazer este episódio, estão no final desta mesma página. Ficamos por aqui. Até breve e um grande abraço!!
FIM.