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  • Foto do escritorHM Macahé

Episódio 10 - Trovas e Cantigas de ontem e hoje - as Serestas em Macaé (pt.2)

Atualizado: 26 de abr. de 2021



Ouça o episódio:




ATENÇÃO! ALERTA!!


Mayday, mayday, mayday… alerta à todos os macaenses! Um grupo de seresteiras acaba de invadir a cidade, espalhando música e poesia por onde passam… alerta! Mayday, mayday, mayday!!!


Caramba, vocês ouviram isso? Ficaram assustados? Eu não fiquei, não! Eu vi um monte de gente correndo pra lá e pra cá, mas quando eu ouvi dizer que tinha música e poesia na jogada, eu corri sim mas foi atrás delas. Mas ainda não as encontrei. Preciso continuar. Fui!!

As Seresteiras de Macaé


Trecho tirado do jornal Enfoque Regional - segundo caderno, março/abril de 2002, e readaptado:


Em 1997, um grupo de mulheres amantes da música decide se juntar para fazer serenatas pelas ruas de Macaé. O objetivo delas era arrecadar fundos para ajudar nas despesas dos portadores do vírus HIV. Em seu início, o grupo, que se chamava "May Day", e se apresentava uma vez por semana em diferentes bairros do município. Eram em torno de 15 mulheres da "segunda juventude", como gostavam de serem chamadas. Decidiram mudar de nome: "As Seresteiras de Macaé". "Todas nós éramos do May Day e continuamos a trabalhar com música através do trabalho com a Sociedade Musical Nova Aurora. Após conversarmos, resolvemos voltar com o grupo, com um nome diferente, mas a mesma empolgação e alegria. Essa volta reflete, simplesmente, a nossa vontade de cantar", disse Margarida Helena Lyra Gama, secretária do grupo à época. A disciplina com os ensaios é rigorosa e semanal, e o repertório composto de músicas de Serestas. A maior prova dessa dedicação à música é que elas não cobram para se apresentarem. Quando muito, exigem uma condução confortável para eventos distantes de seus lares, declara Margarida, lembrando que as Seresteiras cantam onde é possível e são convidadas.


Apresentação no Sarau Literário realizado pela Fundação de Cultura na Biblioteca Pública Municipal profa. Henriqueta Marotti, no distrito de Glicério, em comemoração ao dia Nacional da Poesia. 2014.

(Foto: Regina Lyrio. Site PMM)


Dona Terezinha Santana faz parte do grupo desde sua origem e nos conta um pouco sobre o propósito das Seresteiras:

Terezinha: a gente era um grupo, a gente vivia pra se divertir. A gente não queria publicidade. Por isso que a gente não filmava, não ligava! Quando as vezes Helder (filho) chegava lá e queria tirar uma foto ou aqui em casa, quando estávamos todas aqui, aí a gente tirava foto, porquê Ignês (Maria Ignês do Patrocínio/in memoriam) gostava muito de vim aqui pra casa tocar, pra gente cantar, brincar. É um grupo de mais de 26 anos de história. Esse grupo começou com a desistência do 'May Day'. A gente, na época, queria é se divertir, se distrair. Chegamos a 96 anos, a 86 anos, a 70 anos e nessa brincadeira aí, se sentir. Que bom que vocês estão tendo essa iniciativa. Muito bom! Tem que procurar ver pessoas realmente que começaram as coisas, de onde nasceram. Não é? Que bom. Muito obrigada!!


Apresentação no Foyer do Teatro Municipal de Macaé, em 2002.

(Imagem: em preto e branco do jornal Enfoque Regional)


As Seresteiras de Macaé possuem no currículo diversas apresentações, tendo sido convidadas, durante todos esses anos, por diversas instituições públicas e privadas, ONGs, Igrejas, projetos culturais e outros. A começar pelo belo trabalho prestado aos portadores do vírus HIV, destacam-se outras participações, como: o Festival Cultural Benedicto Lacerda, em comemoração ao centenário de seu nascimento, em 2003, mesmo evento em que participou o inesquecível Haroldo Meireles, como relatado na primeira parte de nosso episódio sobre as Serestas em Macaé; semana do idoso, realizado pelo Programa de Atenção Integral à Saúde do Idoso (Paisi), entre os dias 22 e 26 de setembro de 2014, em Macaé; o 10º Encontro de Seresteiros 'Macaé Canta... Seresta', realizado em 2015 na Rinha das Artes; evento comemorativo dos 15 anos do Solar dos Mello - Museu da Cidade de Macaé, em dezembro de 2019.

Trecho do artigo "A Gaia Ciência dos Trovadores Medievais" - José D'Assunção Barros:


Gaia já foi o nome da deusa que, na mitologia dos antigos povos romanos, representava a Terra e se ligava à fertilidade, portanto, à vida. A palavra, transformada em adjetivo e no decorrer da história das sociedades medievais, passaria a ter significados como "mundano" (no

sentido de inserido no mundo), mas também "alegre", "intensamente vivo", "plenamente livre". Um pouco de cada um desses sentidos aparece na incorporação do adjetivo "gaia" à palavra "ciência", para designar a arte

poética dos trovadores europeus da Idade Média Central (séculos XII a XIV). A Gaia Ciência, portanto, é aqui entendida como a "alegre ciência" ou o "alegre saber" dos trovadores medievais, que é um saber inteiramente dedicado à capacidade de viver intensamente, ao envolvimento amoroso, à exaltação da natureza, à experiência da verdadeira liberdade e, sobretudo, à fina arte de tecer versos e fazer da própria vida individual, ela mesma, uma obra de arte.


A expressão encontra seus primeiros registros conhecidos no provençal, língua medieval falada ao sul da França e que seria precisamente o idioma da mais influente corrente de trovadores medievais (os trovadores provençais). Aqui, "gai saber" ("gaya scienza") corresponde simultaneamente à habilidade técnica e ao espírito livre que seriam requeridos para a criação e escrita dessa nova poesia que estava nascendo com os trovadores medievais.


Trovador tocando uma lira, instrumento musical que deu nome ao gênero lírico.

(Imagem: site Brasil escola)


Quem eram esses trovadores medievais - esses misteriosos cultuadores de uma nova forma de liberdade que os tornava capazes de se alegrar sinceramente com a natureza, mas também de sofrer intensamente com a prática amorosa? Quem eram, enfim, esses magníficos poetas e músicos que criaram um sistema tão novo de perceber e sentir o mundo, que se chega a dizer mesmo que eles inventaram um novo tipo de amor?

Trovadoras de hoje - O Coro de Cigarras de Macaé:



AS VOZES DA NATUREZA


As vozes que nos vêm da natureza

Traduzem sempre um mútuo sentimento.

Cantam as frondes pela voz do vento,

Pelo manancial canta a represa.

Pelas estrelas canta o firmamento

Nas suas grandes noites de beleza.

Cada nota a outra nota vive presa,

É um pensamento de outro pensamento.


Pelas folhas murmura a voz da estrada,

Pelos salgueiros canta a água parada

E o amigo sol, apenas se levanta,


Jogando o manto de ouro ao céu deserto,

Chama as cigarras todas para perto,

Que é na voz das cigarras que ele canta.

Olegário Mariano - Últimas cigarras, 1920.

O Coro de Cigarras é um grupo de amantes da poesia, fundado mais precisamente em 13 de Novembro de 1992. Fundado por dona Laurita de Souza Santos Moreira, cuja casa batizada de 'Jardim Encantado' foi, até 2011, o lugar dos encontros, sempre no segundo sábado de cada mês, no já tradicional chá das cinco. Cultivam e compartilham a convivência harmoniosa entre cultura, arte e meio-ambiente, ressaltando o sentimento e a sensibilidade daqueles que são capazes de fazer deles a arte do dizer poético. Prioriza a criação de trovas pelo seu poder de síntese e de completude. Trovas vem de trobaire (poeta) da língua provençal, e origina-se do verbo trobar, que significava inventar ou encontrar...


Dona Laurita, em relato registrado em vídeo por Luiz Claudio Bittencourt, o Dunga, fala dos motivos que levaram a formação do grupo: "as Cigarras eram poucas. Começamos porque a minha irmã estava com depressão. Então ela se interessou por quem fazia poesia em Macaé. A finalidade era encontrar uma vez por mês pra ver quem estava fazendo poesia pra mandar pra ela. E com isso ela saiu da depressão. Era a Dulce Arueira, que eu chamo: a minha professora de Trovas; Celita Aguiar que quem a trouxe foi a Doris, dizendo que era trovadora e professora de muito conhecimento da língua portuguesa. A Marilena (Murteira) que... quem trouxe a Marilena foi a Dulce Arueira. E depois foi crescendo... Laurita cita também Éstia Batista, Sandra Wyatt, Vera Lyrio, Leci Dias e Oscar Batista. E as demais cigarras são: Aurora R. Pacheco, Ivânia Ribeiro, Maria Inêz e Mariúcha Corrêa.


Em sentido anti-horário: Ivânia, Celita, Laurita, Marilena Murteira, Aurora, Inês e Lúcia.

(Imagem: tirada de vídeo gravado por Luiz Cláudio Bittencourt (Dunga) em 11/10/2008. Youtube)

A inspiração que deu nome ao Coro de Cigarras veio do poeta, político e diplomata pernambucano Olegário Mariano. Ainda jovem, quando visitou Teresópolis pela primeira vez, na década de 40, dona Laurita encantou-se com o lugar que foi residência fixa do poeta – A Casa dos Sete Cedros – que era como um cartão postal da cidade. Admiradora de seus versos, e também motivada pela irmã e poetiza Yolanda Uchôa, 12 anos mais velha, descobriu-se também uma fazedora de versos, batizando o Coro de Cigarras algumas décadas depois. As Cigarras multiplicam com os leitores os sentidos que as profundas mudanças ocorridas em Macaé provocam em nosso coração, em nossa alma, em nossa vida, e socializam com os amantes das palavras temas diversificados que inspiram o pensar e realizar uma cidade mais justa, amorosa e humana.


Poesia de autoria da trovadora Laurita, a qual ela mais gostava. "Não sou poeta, muito os Cigarra. Sou, antes de tudo, pardal que não canta, pia" - Laurita. In memoriam: Laurita Santos, Celita Aguiar, Dulce Arueira, Elza Ibrain, Lenise Bittencourt, Lisa Tavares, Sonilton Campos e Bernadete Braga.



Em contato com o amigo, professor e poeta macaense Gerson Dudus, ele nos conta com mais detalhes sobre as trovas como forma poética e qual sua relação com as canções de hoje...


Gerson Dudus: a relação entre essa coisa da seresta, da serenata e da trova, ela é efetiva... O Trovadorismo, que foi um movimento que cresceu na Europa na era medieval, séc.XI, séc. XIII e tal, ela produziu uma forma de poesia diferenciada, que acabou acontecendo naquele momento... Quer dizer: trova=trovador, tem uma relação. Porque a trova era um tipo de poesia, na verdade era uma quadra que rimava, basicamente, a primeira linha com a terceira e a segunda linha com a quarta. As vezes eles mudavam, a primeira com a última, a segunda com a terceira. Mas eram versos, estrofes que tinham uma ideia fundamental que precisava ser passada ali naquelas quatro linhas, naquela pequena estrofe. E os Trovadores, eles habitualmente interpretavam esse poema, normalmente, com música e com dança.


Então, nesse momento ainda, a arte não tinha se dividido. Isso aconteceu só na modernidade, quando a arte se dividiu. A poesia não estava mais junto com a música, que não estava mais junto com o teatro, que não estava mais junto com a dança. Elas se autonomizaram, digamos assim, num outro período histórico. Mas nessa época, ainda, na idade medieval, elas estavam juntas... Então... na época do Trovadorismo, trobar clus, quer dizer, trovar bem significava fazer boa poesia. Então, como quase sempre ela era acompanhada por música, essa relação entre a canção e a cantiga, que era como eles chamavam os poemas da época, composto de várias trovas que se complementavam, tem uma relação direta com o que a gente chama de canção hoje. A cantiga deles tem relação com o que a gente chama de canção. E isso tem relação com a serenata, porque os poemas, grande parte deles, eram poemas de amor, eram cantigas de amigo e tinham uma relação de louvação à musa, essa mulher, a dama. Tinha também as cantigas de escárnio, que era um outro tipo de poesia... De qualquer maneira, essa relação que você está vendo, que você tentou fazer com que aparecesse aí, realmente ela existiu historicamente.


Em entrevista à Rádio Senado, em 28/01/2011, baseado em seu livro 'A História Social da Música Popular Brasileira', José Ramos Tinhorão diz que a canção, como manifestação da música urbana brasileira, nasce como um recitativo rimado de forma melódica, que eram os romances. O velho romance que contava histórias de forma cantada que, a partir do séc. XVI, com o desenvolvimento da melodia, e da possibilidade de alguém cantar individualmente, se acompanhando de um instrumento de corda, vai dar no que hoje chamamos genericamente de canção. Os chamados romances - pequenas histórias que se originam de canções de gesta, que são canções de tradição cavalheiresca da nobreza - vão aproveitar algum lance amoroso de um personagem da canção e transforma este episódio em romance, ou seja, numa história à parte da canção de gesta. E desse romance surge, em personagens de Gil Vicente no séc. XVI, a moderna canção que focaliza um aspecto qualquer de caráter sentimental, onde o personagem que canta também se acompanha à viola, que foi o primeiro instrumento da música popular, originalmente chamado de guitarra, em Portugal e vihuela, na Espanha.


Costumes de São Paulo, de J. M. Rugendas (1802-1858). Imagem feita entre 1827 e 1835.


Outro aspecto importante que ele se refere é o fato da canção ser uma manifestação artística do individualismo burguês expressada na música da época, porque até o séc. XVI, a vida urbana era muito restrita. A cultura predominante era a rural. E no mundo rural, as músicas não são feitas apenas para cantar, são feitas para cantar e dançar. A música rural é uma música de comunidades, onde todos cantam e todos dançam. Ao passo que a canção é individualista, onde a gente pensa em alguém, isoladamente, cantando uma melodia que conta alguma coisa na letra. E o fato da canção ser feita com uma viola simplificada, tocada eventualmente em 'rasgados', sem muitos aprimoramentos, isso vai democratizar o canto que faz nascer a canção.



Seresta ou Serenata?


Trecho do livro "Os Sons que vêm da Rua" - José Ramos Tinhorão. 2ª edição:


O hábito de cantar à noite pelas ruas, geralmente com o propósito de fazer-se ouvir por amadas inacessíveis, zelosamente resguardadas atrás das janelas por toda uma tradição de vigilância patriarcal, constituiu desde o fim da idade média um recurso sentimental cultivado em altas vozes noturnas por todo o Ocidente. Para dar nome a essas cantorias solitárias ou em grupo, os espanhóis criaram a palavra serenada e os portugueses o substantivo serenata, derivando ambos do latim serenus, que tanto podia querer dizer céu sem nuvens, quanto calma e tranquilidade.


No Brasil, a primeira referência a uma serenata vem do séc. XVIII, ou, mais precisamente, de 1717, quando na Bahia o viajante francês M. Le Gentil de la Barbinais, após afirmar que "à noite só ouvia os tristes acordes de uma viola", acrescentava: "portugueses, vestidos de camisolões, rosário ao pescoço e espada nua sob as vestes, passavam debaixo das janelas de suas amadas de viola em punho, a cantar com voz ridiculamente tenra cantigas que faziam lembrar música chinesa ou as nossas gigas da baixa Bretanha..."


... No Rio de Janeiro, a tradição das serenatas deveria, tal como na Bahia, remontar também ao séc. XVIII, não fora o introdutor do gênero das modinhas em Portugal em meados de 1700, o mulato carioca Domingos Caldas Barbosa, um tocador de viola de arame, especialista naquelas canções que um autor português seu contemporâneo dizia terem o poder de encantar "com venenosos filtros a fantasias dos moços e o coração das damas..."


Domingos Caldas Barbosa, poeta e músico carioca, autor e divulgador das primeiras Modinhas e Lundus no Brasil e em Portugal. Celebrizou-se pelas trovas improvisadas ao som da sua viola de corda de arame. (Imagem: site www.antoniomiranda.com.br)

Outro francês, o estudioso de literatura luso-brasileira Ferdinand Denis, registraria em livro de 1826 que “gente simples, trabalhadores, percorrem as ruas à noite repetindo modinhas comoventes, que não se consegue ouvir sem emoção”. Com a transformação dessa modinha, a partir do Romantismo, em canção sentimental típica das cidades em todo o Brasil (alguns poetas românticos foram compositores, outros tiveram seus versos musicados), tal tipo de canto, transformado desde o séc. XVIII quase em canção de câmara, volta a popularizar-se com a voga das serenatas acompanhadas por músicos de choro, a base de flauta, violão e cavaquinho.


No fundo, esses românticos cantores de modinhas, para os quais se criaram nomes como serenateiros, serenatistas, sereneiros e seresteiros, vinham representar o papel de artistas, aos quais a evolução social urbana encarregava de dar voz a alma musical do povo, numa época em que - pela inexistência dos meios de reprodução sonora, só possíveis com o advento do disco - a profissão de cantor ainda não existia e, portanto, a divulgação das canções dependia, como em tempos medievais, da iniciativa e do talento de humildes e anônimos menestréis..."


Influenciadas pelas valsas, as modinhas têm, então, realçado seu tom de lamento na voz dos boêmios e mestiços capadócios cantadores. Assim, quando no séc. XX a serenata passa por evolução semântica a seresta (para confundir agora sob esse nome, muitas vezes, o ato de cantar com o gênero cantado), os cantores com voz apropriada ao sentimentalismo de serenatas ou serestas transformam-se, finalmente, em seresteiros.


Projeto 'Serenata dos Amigos', organizado pelo flautista Jean Macahé. Saía de 15 em 15 dias passando em diferentes bairros da cidade. Sua última edição ocorreu 7 dias após o falecimento de Zezinho do violão, em sua homenagem, em junho de 2015.

(Esq./Dir.: mestre Lago, Dionísio e Zezinho: violão 6 cordas; Neguinho: violão 8 cordas; Luizinho: cavaco; Valmir: Sax soprano; Seu Nelson: Flauta Transversa; Jean Pedro e Lucas Nunes: pandeiros.


Resumidamente, as serenatas são apresentações feitas ao ar livre, caminhando pelas ruas e parando de porta em porta. A seresta foi uma forma de levar essas músicas até um ambiente fechado. Nos ambientes de seresta, também há duas formas: as Serestas que exploram um repertório onde diversos cantores se apresentam e o público aprecia sentado em suas cadeiras; e a outra que explora um repertório com músicas onde o público possa dançar.



Uma singela homenagem


Na primeira parte sobre as Serestas, fizemos duas homenagens, certos de que existem muitos outros seresteiros que merecem ser lembrados. Por influência das crônicas do jornalista José Milbs, onde ele homenageia os dois amigos Haroldo Meireles e Eraldo Lanterneiro, decidimos reproduzir, na íntegra, estes dois registros. Através de observações no Facebook sobre Orlando Tardelli, conseguimos compilar alguns comentários sobre ele e prestar, aqui, esta singela homenagem.


Orlando Tardelli. Para ele, não importava se era dia ou se era noite. Se estava frio ou calor, e muito menos se estava chovendo. Lá estava ele a perambular pelas ruas de Macaé, com seu terno preto e sapato de bico fino. Gostava de cantar na ponte velha da Barra, enquanto algumas pessoas curtiam sua pesca. Com sua voz potente, impressionava as pessoas como se uma caixa de som estivesse ligada em som alto. Num dia ensolarado, lá estava ele, no calçadão dos Cavaleiros, com seu terno preto, cantando suas canções preferidas. Ou então nas ruas do centro da cidade, passava em frente as lojas e, sem nenhum receio, parava para cantar. Em tempos ainda mais remotos participou, junto com sua irmã, das domingueiras na antiga Rádio Emissora de Macaé, naquele espaço onde antes foi o Clube dos Abaetés e que depois virou o Clube Ypiranga. Tardelli também participava da Sabatina Alegre, um programa de calouros realizado no Cine-teatro Santa Isabel, nas tardes de sábado. Sempre se destacava na modalidade melhor cantor, ao lado de Haroldo Meireles, Jorge Bagre, dentre outros.


Sua irmã Marli relata a significância artística do irmão. Diz ela: "meu querido e inesquecível irmão Orlando Tardelli, seresteiro macaense. Quantas saudades! Figura marcante no meio musical, era muito bom intérprete das músicas de Nelson Gonçalves. Em todos os lugares que ele se apresentava, em shows pediam sempre pra ele cantar 'Cabocla', 'A Volta do Boêmio' e muitas outras belas canções, as quais ele cantava com muita emoção. Era muito querido por todos, inclusive pelas autoridades macaenses. Bela e simpática figura, por onde passava todos o cumprimentavam com muito carinho. Na época em que sofreu o acidente que o levou a óbito 3 dias depois o prefeito Silvio Lopes, que tinha por ele grande estima, no enterro prometeu que muito em breve iria inaugurar uma rua com o seu nome, como sua última homagem a alguém que foi um grande e querido Macaense". A rua que leva o seu nome fica no bairro Bela Vista.


Orlando Tardelli, autêntico menestrel e boêmio Macaense.


Um conjunto para não esquecer:

No clube Ypiranga dos anos 70, um conjunto se destacava por fazer suas Serestas às sextas-feiras e também por acompanhar cantores convidados: era o 'Zezinho e seu Conjunto'. Francarlos, ao lembrar de alguns momentos marcantes dessa época, nos conta quem eram os músicos que tocavam lá no Ypiranga e, tempos depois, no Taberna da Praia:


Francarlos: vou te passar duas formações. A primeira formação, que eu vi no Ypiranga: Zezinho, no violão; Ceceu, no Contra-baixo (elétrico); Durval Barcelos, na bateria; Geraldo, no Sax. Depois entrou o Robertinho no Sax, ficando: Geraldo no Sax tenor e Robertinho no Sax alto, as vezes revezavam. Os cantores eram: Haroldo Meireles, Marlene Castilho e, de vez em quando aparecia o Rainor, que trabalhava com Zezinho na Sucam. Depois eu andei participando com eles também lá... E com Zezinho também tocou o 'Escovão'. Além de Durval Barcelos, Escovão era cantor e também baterista. Na formação da Taberna, o baterista era Carlinhos, Ceceu no contra-baixo, Zezinho no Violão, Neguinho no outro violão, Robertinho, no Sax e cantores diversos. Eram cantores convidados. Aliás, tinha uma cantora fixa que era Vânia, que já morreu.


Atrás, da esq./Dir.: Chiquinho (cavaco), Zezinho (violão), Pereira (violão), Carlinhos (bateria), Ceceu (baixo elétrico). Cantores: Gilberto, Rainor, ??.


Luizinho Pinheiro, nosso amigo de longa data aqui do projeto, um excelente jogador de futsal do Ypiranga desde os anos 60, foi presidente do Clube e lembra do Zezinho e seu conjunto tocando nas Serestas das sextas-feiras, evento que que ele próprio, o Luizinho, criou:


Luizinho: quanto a Zezinho, no Ypiranga, ele inciou lá comigo, em 1974, 75, quando eu assumi o Ypiranga. E nós começamos com o conjunto dele fazendo uma seresta, mas era só para apreciar as músicas. As mesas ficavam em todo o salão. E as pessoas iam ali pra assistir a seresta. Depois, com o tempo, ela se transformou numa seresta dançante. Chegou ao ponto das pessoas terem mesas cativas... E vinham pessoas de toda essa região... Gente de Conceição, até de Cabo Frio, São Pedro da Aldeia, Rio das Ostras, de toda essa região... as mesas eram alugadas antecipadamente. E foi um sucesso durante muitos anos, enquanto eu estive no Clube. Depois de 2 anos que tive no clube, entrou Hélio Caetano por mais 2 anos. Depois eu voltei numa eleição também... E ele (Zezinho) continuou por mais 2 anos... Soube depois que Atanagildo entrou, criou problemas, e Zezinho saiu...


Vieram muitos artistas. Uma vez por mês a gente trazia um artista. Eu trouxe muitas vezes aqui o Carlos Alberto. Trouxe umas 3 vezes o Altemar Dutra, Cauby Peixoto. Mas Cauby não foi cantando na seresta não, foi um show particular. Nós trouxemos o Jamelão. O Jamelão também cantou com Zezinho na seresta. Geralmente essas pessoas traziam o conjunto dele, mas jamelão que eu soube que queria levar Zezinho. Mas isso foi antes, no Ypiranga, em outra época. Mas ele não topou porque era empregado da Sucam. Ele não ia abandonar seu emprego público, né? A seresta rolou durante muitos anos. Infelizmente acabaram com o clube pra colocar música sem a presença do artista. A música só de som, balada só de som. Aí o clube foi acabando!!



Encontro de Seresteiros 'Macaé canta... Seresta'.

Francarlos e Nádia, fundadores do projeto.


Em 2005, Francarlos e sua esposa Nádia Amaral, criam o projeto Encontro de Seresteiros em Macaé “ Macaé Canta ... Seresta”, que tem como principal objetivo: difundir as músicas de seresta resgatando as suas melhores canções, compartilhando o gosto pela boa música e a alegria de reunir aqueles que apreciam este estilo musical, fortalecendo os laços de amizade e de convivência, proporcionando um espetáculo cultural de celebração da vida, preservando a memória musical que nos acompanha desde o período colonial, além de valorizar os compositores da época tais como: Pixinguinha, David Nasser, Dolores Duran, Adelino Moreira, Lupicínio Rodrigues, Herivelto Martins, Sergio Bittencourt, Assis Valente, Catulo da Paixão Cearense, Lamartine Babo, entre outros.


Regional formado para acompanhar os cantores em um dos encontros: Esq./Dir.: Walber (surdo), Machado (pandeiro), Neguinho (violão 8 cordas), Beto (cavaco) e Zezinho (violão 6 cordas).


No que se refere aos objetivos do projeto, Francarlos conta que "por ser amante das artes, desde os tempos de criança, desenvolvi um olhar crítico e prazeroso por alguns estilos musicais. Retrato aqui, especialmente a “Seresta” , que me faz relembrar a importância da reunião entre amigos que outrora utilizavam os seus encontros para cantar as suas alegrias, tristezas, dores e amores. Desta forma, após observar diversos grupos dos municípios do nosso Estado, em especial o Grupo Lua Cheia de Conceição de Macabu, me propus a incrementar o encontro de seresteiros em Macaé.

A atriz e poetisa Helen de Freitas, convidada para recitar uma poesia vencedora do festival de poesia em Santa Maria Madalena. A partir do ano seguinte de sua criação, em 2006, o projeto concretiza seu primeiro encontro em Macaé e daí não parou mais. Em 2015, um grande passo é dado: o encontro entra oficialmente no calendário de eventos do município de Macaé, conforme a lei 4.110/2015, sancionada em 23 de julho. Neste mesmo ano, o 'Macaé canta... Seresta' realiza o seu 10º encontro, contando com a participação de vários municípios do Estado do Rio, dentre eles: Cachoeiros de Macacu, Conceição de Macabu, Trajano de Moraes, Niterói, Rio de Janeiro, Duque de Caxias, Maricá e Santa Maria Magdalena. Lembrando que a maioria dos grupos passa por várias cidades para participarem desses encontros e muitos deles com ônus próprio. Dentre alguns participantes: Grupo Lua Cheia, de Conceição de Macabu; Lia Apolinário, Guacira Câmara e Vera Lucia, seresteiras de Duque de Caxias; Luis Coutinho, de São Gonçalo e os regionais Humberto Schuartz (violão), Nei Viana (violonista), Arnaldo Feras (Pandeiro) e Danka Nubia, cantora e percussionista, são alguns seresteiros de fora que já participaram do encontro. Desta maneira, observa-se a força e a importância de se manter firme essa tradição popular de nosso cancioneiro.


Grupo 'Lua Cheia - Seresteiros de Macabú. Sempre presentes nos encontros de Macaé, fazem parte da Assecom (Associação de Seresteiros de Conceição de Macabú, fundada em 1999).

Homenageados em algumas edições do Encontro 'Macaé canta... Seresta':


Eraldo Alves Gomes, o Eraldo 'Lanterneiro'. (Errata: no episódio pt.1, foi dado o nome Eraldo Gomes Silva, como consta nas crônicas de José Milbs)


Hugo Garcia


Zezinho


Lucas Vieira



Outros nomes de Seresteiros: Cantores:

  • Osmar Rocha

  • Silvério

  • Pereira

  • Olivier

  • Oduvaldo

  • Marlene Castilho

  • Marlene Lopes

  • Tutuca

  • Rainor

  • Gilberto

  • Milne Pererê

Acompanhantes (instrumentistas):

  • Chiquinho - cavaco

  • Ismael - bandolim

  • Escovão - bateria/voz

  • Geraldo - Sax alto

  • Roberto Filgueira - Sax tenor

  • Ceceu - Contra-baixo elétrico

  • Carlinhos - Bateria/Percussão

  • Ruzilamde Neném - Violão

  • Adão - Guitarra/Teclado/Voz

  • Vaval - Teclado/Acordeon

  • Heitor - Contra-baixo elétrico/Voz

Fontes de consulta:

  • Site Wikipedia. Seresta. Dsponível em: https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Seresta Acesso em: 24 mar. 2021;

  • Site cifrantiga. A seresta. Disponível em: https://cifrantiga3.blogspot.com/2006/04/seresta.html?m=1 Acesso em: 24 mar. 2021;

  • Site da Prefeitura Municipal de Macaé. Coro de Cigarras saúda a primavera no Solar dos Mellos. Disponível em: http://www.macae.rj.gov.br/esane/leitura/noticia/coro-de-cigarras-sauda-a-primavera-no-solar-dos-mellos Acesso em: 26 mar. 2021;

  • Site da rádio senado (corrigindo). A História Social da Música Popular Brasileira - 1ª parte. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/radio/1/autores-e-livros/2011/01/28/a-historia-social-da-musica-popular-brasileira-1a-parte Acesso em: 26 mar. 2021;

  • Site recanto das letras. O Poeta e o Seresteiro. Disponível em: https://www.recantodasletras.com.br/poesias/2138461 acesso em: 28 mar. 2021;

  • Site da Academia Brasileira de Música. Olegário Mariano. Disponível em: https://www.academia.org.br/academicos/olegario-mariano/textos-escolhidos acesso em: 26 mar. 2021;

  • Tinhorão, José Ramos. Os sons que vêm da rua. 2ª edição. São Paulo. Editora 34. 2005;

  • Barros, José D'Assunção. A gaia ciência dos trovadores medievais. Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, EDUFSC, v. 41, n. 1 e 2, p. 83-110, Abril e Outubro de 2007;

Agradecimentos:


E hoje, nosso agradecimento especial vai para os amigos Gerson Dudus, Luizinho Pinheiro e a dona Aurora Ribeiro Pacheco, pela contribuição e enriquecimento do conteúdo de nosso trabalho. À todos vocês, nossa gratidão!!

Fundo musical:


  • Áudio da apresentação das Seresteiras de Macaé no evento comemorativo do centenário de nascimento de Benedicto Lacerda, na sede da S.M. Nova Aurora, em 2003.

  • O que vos nunca cuidei a dizer, Cantiga Trovadoresca de amor, de Dom Denís, rei de Portugal do séc. XIII/XIV. Interpretada pela voz de Paulina Ceremuzynska.

  • Trovas I, modinha de Alberto Nepomuceno e Joaquim Osório Duque Estrada, interpretada por Lenita Bruno no disco 'Modinha fora de moda', de 1958.

  • Cantigas, de Alberto Nepomuceno e Branca Colaço, na voz de Lenita Bruno do mesmo disco citado anteriormente.

  • Morrendo devagar, de Domingos Caldas Barbosa.

  • Cantiga de amigo lírica galaico-portuguesa. Música Trovadoresca do período afonsino. Autor: Pedro Gonçales Portocarrero.

  • Você trata amor em brinco, de Domingos Caldas Barbosa e Marcos Antônio Portugal. Do disco 'O Amor Brazileiro, Modinhas e Lundus do Brasil.

  • Mágoas de Caboclo, música de J. Cascata e Leonel Azevedo, interpretado por Nelson Gonçalves.

  • Áudio do Taberna da Praia, onde podemos ouvir a voz de Vânia (in memoriam) acompanhada por Zezinho e seu conjunto.

  • Chuá chuá, toada sertaneja de Ary Pavão e Pedro de Sá Pereira, interpretada pela voz de seu Ary, em participação no VI Encontro de Seresteiros, em 2011, na Rinha das Artes - Macaé-RJ.

  • Rosa, música de Pixinguinha e letra de Otávio de Souza. Interpretada, aqui, pela voz de Conceiçãozinha, num show ao vivo na Casa da Seresta, em Conceição de Macabú. Vale lembrar que Pixinguinha a compôs em 1917, com o nome "Evocação".

Considerações finais:


Ficamos por aqui com uma trova de autoria de Cida Maia Oliveira que, talvez, possa sintetizar a relação de dois artistas que sempre devem estar de mãos dadas. Até breve e um grande abraço!


O POETA E O SERESTEIRO

Autoria: Cidmay

mvcyd@hotmail.com


O poeta traduz sentimentos em versos,

sendo de sua época o porta voz,

dialoga sutilmente com os dispersos

trazendo anjos para perto de nós;

O seresteiro surge na madrugada

levando a poesia ao som da viola,

cantando histórias de amor sem pedir nada

com o romantismo e a alegria que consola;


O poeta verseja a emoção, o belo,

pretende tocar os corações no fundo,

desperta nos seres ardentes anelos

estabelecendo uniões com o mundo;


O seresteiro é farol nos chãos vazios,

na penumbra de um anoitecer risonho

penetrando na alma dos arredios,

embalsamando corações tristonhos;


O poeta abriga a sensibilidade

comunga o original numa poesia

suavizando dores, fortificando elos;


O seresteiro crê na felicidade

ameniza o fel das almas doentias

entre acordes prateados muito singelos.

FIM.

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